Uma das melhores formas de medir as expectativas para a economia mundial é ter debaixo de olho os preços de matérias-primas como o petróleo, o cobre ou o níquel. Quando a procura por estes bens que alimenta a economia mundial desce, é sinal de problemas. E o surto de um novo tipo de coronavírus na China está a assustar de forma significativa os investidores e a dar sinais de que é uma ameaça séria também para a economia mundial.
“O preço do índice dos metais industriais afundou em resposta aos riscos colocados pela possível disseminação do coronavírus. Num nível considerável, isso deve-se à grande influência da China na atividade industrial global”, explicam os economistas da Moody’s Capital Markets Research, numa nota a investidores a que a EXAME teve acesso. O cobre leva já desvalorizações acima de 10% e o estanho e o níquel perdem mais de 8%. Já o petróleo perde mais de 15% desde o início do ano.
Para contextualizar o que estas descidas podem significar, o economista da Moody’s Capital Markets explica que nem no pico da guerra comercial entre a China e os EUA, em junho de 2018 – que os economistas temiam que podia comprometer a economia mundial – as matérias-primas industriais tiveram um desempenho tão negativo como na sequência dos receios com o coronavírus.
O vírus que surgiu na cidade de Wuhan e as medidas para o conter ameaçam a produção industrial e algumas cadeias de valor globais. “Wuhan é um grande centro industrial na China: a cidade tem mais de 11 milhões de habitantes e muitas fabricantes automóveis, de eletrónica e de aço têm aí presença. Devido ao surto do vírus, muitas fábricas fecharam e foram planeadas evacuações para retirar alguns trabalhadores”, explica a Moody’s Capital Markets.
Wuhan e outras cidades chinesas estão de quarentena e há cerca de 60 milhões de pessoas isoladas. A Apple tem alguns fornecedores na zona de Wuhan e limitou as suas operações na China. Também a Tesla anunciou restrições na sua atividade naquele país asiático. Além disso, outras grandes multinacionais estão a encerrar lojas e a limitar as viagens de funcionários à China. Há já mais de 17 mil casos da doença no país e o número de mortes é de mais de 340.
China e produtores de petróleo tentam travar contágio
Os receios cada vez maiores de que o coronavírus contagie a economia e os mercados financeiros levou o regime de Pequim a tomar medidas para mitigar o impacto na bolsa chinesa, que reabriu esta segunda-feira após a pausa iniciada a 23 de janeiro para as comemorações no ano novo chinês. O banco central injetou dezenas de milhares de milhões de dólares no sistema financeiro e o regulador dos mercados proibiu a venda a descoberto de ações, em que os investidores apostam na descida dos preços amplificando a pressão vendedora e a desvalorização dos títulos. Mas as defesas revelaram-se insuficientes.
O índice que agrupa as 300 ações mais representativas das bolsas de Xangai e Shenzhen desceu 7,9%, o dia mais negativo desde agosto de 2015. Além disso, mais de quatro em cada cinco cotadas desvalorizaram 10%, a queda máxima permitida. Apesar da segunda-feira negra na bolsa chinesa, os mercados acionistas europeus seguem praticamente inalterados.
O banco central da China injetou dinheiro nos mercados e a OPEP terá uma reunião de emergência para segurar os preços do petróleo
No entanto, as cotadas do setor do turismo têm-se ressentido. “O número de passageiros na China caiu de forma significativa comparativamente ao período do novo ano lunar em 2019. E, dado que os turistas chineses gastam bastante em países asiáticos, os custos serão sentidos em toda a região”, indicam os economistas da Capital Economics num relatório a que a EXAME teve acesso. As grandes companhias aéreas internacionais estão a reduzir ou mesmo a deixar de voar para a China e a Disney encerrou o seu resort no país.
Os produtores de petróleo também dão sinais de nervosismo. A Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) deverá marcar uma reunião de emergência para decidir novos cortes de produção para segurar os preços. Isto depois da cotação ter descido cerca de 15% desde o início do ano para 56 dólares, o que coloca dificuldades às contas públicas de alguns países produtores. A China é responsável por 14% do consumo mundial de petróleo e o setor de transportes mundial representa cerca de metade da procura por ouro negro, segundo dados do banco ING.
As comparações e o tempo
A maior parte dos analistas tenta prever o impacto económico do surto de coronavírus com outras epidemias que ocorreram no passado. “O risco principal das infeções de coronavírus dentro e fora da China são relacionadas com a saúde humana e é suportado pelos que estão expostos à infeção. Mas caso a incidência de infeções aumente, poderá haver também consequências económicas, como a epidemia da SARS [síndrome respiratória aguda grave] em 2003 demonstrou”, afirmou um analista da Moody’s.
Há 17 anos, o surto de SARS, que matou quase 800 pessoas, custou dois pontos percentuais à economia chinesa. O crescimento do PIB baixou de 11,1% para 9,1%, mas não teve um impacto significativa na economia mundial. Mas o impacto do novo coronavírus pode ser mais perigoso. “Comparando com quando foi atingida pelo SARS em 2003, a China tem agora um papel bem mais central na economia global”, salientam os economistas da Capital Economics. Além disso, salientam que como os mercados financeiros mundiais vão já num longo ciclo de valorizações (que dura já mais de dez anos), estão mais vulneráveis a correções motivadas pelos receios em torno do coronavírus.
Os analistas do ING recordam que durante a epidemia de SARS esteve no topo das preocupações durante cerca de oito semanas. Mas salientam que em 17 anos a economia mundial teve mudanças significativas que a tornam mais vulnerável a surtos deste tipo. “A economia global tornou-se mais integrada e interligada desde 2003. O tráfego aéreo global, por exemplo, é mais do dobro do que em 2003. Além disso, contrariamente a 2003, os turistas chineses têm um papel mais significativo no turismo global”. Assim, a conclusão é que “a velocidade da propagação do vírus pode ser mais rápida que em 2003 e, em simultâneo, o impacto no crescimento global também pode ser maior”, afirmam os especialistas do ING.
Além disso, sublinham os economistas da Capital Economics, em 2003 não houve fábricas encerradas, o que limitou os danos económicos do SARS. “A grande questão é quando o vírus ficará sob controle. Se não for contido nas próximas semanas, as consequências económicas serão mais graves. Mas se o encerramento de fábricas se prolongar, o sector industrial será o próximo a sofrer”. E problemas na segunda maior economia do mundo provocarão, muito provavelmente, ondas de choque na economia mundial. O ING prevê que se está a chegar a um ponto em que potencialmente o comércio global acabará por ser afetado em 2020.