Há quase 7 anos a Carmo e eu adotámos o Bernardo, o mais novo dos nossos 5 filhos. O Bernardo tem 99% de incapacidade – não vê, não anda e não fala, entre várias outras dificuldades.
Durante este tempo a nossa história com o Bernardo tem sido muito boa quer na perspetiva dos nossos 4 filhos mais velhos e de nós próprios quer na perspetiva do Bernardo.
Mas naturalmente que este caminho não é isento de desafios e dificuldades e em múltiplas ocasiões fomos sendo confrontados e surpreendidos porque nos parecia que algumas das questões que enfrentávamos não tinham sido resolvidas de forma clara e estruturada antes de nós, apesar de terem que ser necessariamente comuns a milhares de famílias como nós.
Em todos os casos fomos encontrando soluções e ultrapassando os desafios que nos surgiram mas em muitas circunstâncias com a consciência de estarmos a beneficiar de soluções pontuais – que outros criaram para as suas próprias situações – ou que nós próprios fomos criando por podermos contar com um conjunto de recursos próprios mais amplo.
Quantos – com os mesmos problemas que nós mas com circunstâncias globais mais difíceis – se vêem tantas vezes impotentes para ultrapassar essas dificuldades.
E assim pensámos que poderia ser bom se pudéssemos contribuir para identificar soluções estruturadas e escaláveis que resolvessem algumas das barreiras a uma maior inclusão de pessoas com deficiência.
Desafiámos a Nova SBE porque sentimos que seria necessário ter o apoio de uma instituição orientada à análise e estudo rigoroso dos problemas, que contasse com recursos e talento para estudar estes temas e desenvolver abordagens e metodologias adequadas e, mais importante, que estivesse disponível e empenhada no contexto dos seus valores e objetivos, para ter impacto na comunidade em temas como este.
E, de facto, a Nova SBE acolheu-nos com entusiasmo e começámos a trabalhar de imediato em Setembro de 2017 com a criação do Inclusive Community Forum, uma iniciativa criada para estudar barreiras e propor soluções estruturadas para uma maior e melhor inclusão de pessoas com deficiência .
Escolhemos para primeiro tema a empregabilidade de pessoas com deficiência e é nisso que temos estado a trabalhar nos últimos três trimestres.
E durante este período o que é que aprendemos? O que é que constatámos?
Em primeiro lugar confirmámos de forma clara que a empregabilidade de pessoas com deficiência é um tema muito relevante e de dimensão significativa. Os níveis de desemprego entre pessoas com deficiência são muito elevados, claramente mais elevados que a taxa de desemprego global – mesmo em tempos de maior dinamismo económico como o que agora vivemos e a duração do desemprego para estas pessoas é muito mais longo.
E os números de desemprego só não são superiores porque muitas pessoas já desistiram de tentar- seja porque já tiveram más experiências ou tem medo de falhar – ou porque frequentam estágios sucessivos que os retiram estatisticamente do desemprego mas sem nenhuma perspectiva real de continuidade e sustentabilidade.
E porque é que este problema persiste de forma aguda mesmo neste cenário de maior dinamismo económico?
De forma simplificada identificamos três causas principais:
- Muitas vezes as pessoas com deficiência não tomam a iniciativa de procurar emprego – tem medo, já tentaram e já falharam, receiam que possam ser hostilizadas; ou as suas famílias preferem protegê-las de um ambiente que intuem adverso ou agressivo. É natural que muitos possam ter esta reação e assim acabam por ficar em casa ou centros de atividades ocupacionais
- Em muitos casos as empresas não estão despertas para este tema e para esta possibilidade de recrutar pessoas com deficiência; não está nas suas prioridades. É algo que suscita medos ou receios e levanta dúvidas e questões. Para quê arriscar? Ou mesmo quando se considera avançar, como fazer?
De facto, medo, risco ou receio são palavras chave que impedem que se avance de forma mais determinada.
- E finalmente mesmo quando se vencem os medos e os receios, e as pessoas querem trabalhar e as empresas querem contratar é ainda assim difícil de acontecer porque não existe um mecanismo e processos montados e estruturados com escala para que as duas partes se encontrem de forma simples e sistemática.
Em síntese, não há um mercado a funcionar com intervenientes com a escala e/ou com as capacidades suficientemente desenvolvidas e com processos robustos e testados mas específicos e ajustados.
Há algumas experiências muito valiosas e meritórias como a EOD ou a Associação Salvador ou a APSA ou a Semear ou as Cerci mas falta a estrutura, a escala e a uniformização que é tão necessária do lado das empresas para que elas consigam interagir de forma mais simples, mais regular e mais eficiente.
E foram estes três problemas principais – aqui apresentados de forma simplificada que procurámos abordar durante este ano.
E o que é que fizemos em concreto? E como é que fizemos?
Deixem-me apresentar-vos de forma breve três das iniciativas desenvolvidas com o apoio muito positivo de alunos e professores da NovaSBE e em articulação com muitas pessoas e instituições com quem trabalhámos ao longo deste ano
Peer to Peer
Identificámos 10 alunos da NovaSBE e juntámo-los com 10 pessoas com deficiência à procura de emprego. A ideia foi que, em pares, os alunos e candidatos fizessem um programa de preparação para o mercado de trabalho. Trabalharam, em conjunto, no desenvolvimento do currículo, na preparação das entrevistas, na explicitação das capacidades. No fundo ajudá-los a percorrer o processo que eles próprios – alunos da NovaSBE – estavam a percorrer no fim da sua licenciatura ou do seu mestrado. Fomos nisto muito apoiados pelos Career Services da NovaSBE com enorme experiência em colocação de alunos junto das empresas. Foi uma experiência muito boa com excelente feedback quer de uns quer de outros. E contribuiu para que muitos dos candidatos ganhassem confiança e ânimo para percorrerem o caminho a que se propunham. Foi muito interessante que alunos de uma escola de topo a concorrer às melhores empresas em Portugal estivessem a interagir com pessoas com deficiência para as animar a que também elas concorressem, tentassem, apresentassem as suas capacidades e tornassem claro que também elas tem valor a acrescentar à Comunidade. E foi também positivo que os próprios alunos tenham concluído que tinham tirado muito proveito da experiência com os candidatos e que a realidade destes lhes tinham trazido aprendizagens e amizades completamente inesperadas. É por aqui que também se começa a mudar a cultura e o contexto.
Inclusive Future
No Inclusive Future fomos à procura de casos de sucesso. Hoje já existem muitas pessoas com deficiência a trabalhar cujos casos são muito positivos e dá-los a conhecer ajuda a dar confiança quer a quem procura emprego quer a quem está disponível para recrutar.
Ajuda a vencer o medo.
Assim, gravámos 10 filmes com 10 casos e colocámo-los online na plataforma Design the Future que existe há vários anos para dar a conhecer muitas profissões e assim ajudar os jovens nas suas decisões vocacionais. As pessoas com deficiência podem encontrar aqui exemplos que os ajudem a fazer o seu caminho.
Vão e vejam em design the future.pt ou no site do ICF (www.icf.novasbe.pt). E conheçam o Pedro da Fonte Viva, a Luisa do Santander, o João do Starbucks ou o Part da NovaSBE. Vale mesmo a pena.
HR for inclusion
Neste caso o que fizemos foi envolver 12 empresas com disponibilidade para recrutar, 2 empresas de recrutamento e várias IPSS que trabalham com pessoas com deficiência, além dos candidatos do Peer2Peer que procuravam, agora, emprego. E estivemos a procurar colocar 10 pessoas com deficiência que queriam trabalhar e dessa forma aprender mais sobre o processo, que ajustes seria necessário fazer para que o processo funcione. Aprendemos muito – testámos entrevistas, prepararam-se CVs, detalharam-se as funções de empresas, analisou-se como melhor fazer o matching entre capacidades e necessidades.
Colocámos várias pessoas em posições com boas perspectivas e sobretudo aprendemos bastante sobre como estruturar. E ganhámos dois parceiros fundamentais: a Randstad e a Argo, empresas de recrutamento que trabalharam connosco, com os candidatos e com as empresas. E que contribuíram para profissionalizar o processo, para o sistematizar e para estabelecer relações estruturadas entre IPSS, empresas e candidatos
Em síntese, fomos aprendendo, fomos falando com muitas pessoas e muitas instituições e fomos testando e afinando com o apoio de muitos alunos da Nova que fizeram levantamento de casos de sucesso e que desenharam processos e abordagens mais estruturadas.
Mas não posso acabar sem partilhar convosco mais uma aprendizagem – provavelmente uma das mais decisivas deste ano.
Uma das coisas mais impressionantes destes 7 anos com o Bernardo foi o facto do Bernardo que tem 99% de incapacidade acrescentar muito à Comunidade.
Contra todos os nossos pressupostos que privilegiam o talento, a inteligência e a excelência física, o Bernardo – com os seus 99% de incapacidade acrescenta muito valor à nossa comunidade e faz da nossa comunidade uma melhor comunidade, da nossa família uma família melhor e da escola onde está uma escola melhor e tudo isto com 1% de capacidade, pelo menos medida pelos nossos padrões.
E este ano e neste contexto confirmámos a mesma coisa. Ao contrário do que se poderia pensar – o emprego de pessoas com deficiência é positivo, acrescenta valor. Não é um peso, um fardo ou uma iniciativa de natureza caritativa. Sempre que é só isso não é duradouro nem sustentável.
Sim, temos muitos casos em que é claro que acrescenta valor tal como todos os outros. É uma questão de encontrar a função certa para as competências de cada um.
De facto, a empregabilidade de pessoas com deficiência não deve ser apenas motivada por responsabilidade social corporativa mas antes ser fundada na criação de valor, no dinamismo e no empenho das pessoas.
As pessoas com deficiência acrescentam valor, contribuem de forma clara sempre que ajustamos as competências e as necessidades. Precisamos de estar abertos a esta possibilidade sem preconceitos ou limitações de partida.
O que pretendemos não é discriminar positivamente as pessoas com deficiência; o que pretendemos não é apenas identificar ocupações para pessoas com deficiência; o que pretendemos não é privilegiar pessoas com deficiência por causa do que não conseguem fazer. Não é disso que tratámos durante este ano. Nem é para isso que queremos contribuir.
É exatamente ao contrário: o que queremos é considerar em igualdade de circunstâncias as pessoas com deficiência como candidatos sempre que há vagas para as suas capacidades; é estar abertos a que podem contribuir desde que saibamos ajustar o que precisamos que seja feito às capacidades que tem.
É colocar o foco no que sabem fazer, no valor que podem acrescentar e identificar a função que lhes seja mais adequada e deixar de focar no que não sabem fazer, no que não conseguem fazer. É perguntar mais vezes o que conseguem fazer, em vez de enfatizar o que não sabem ou não conseguem Parece uma diferença menor mas é um ponto de partida muito diferente. Porque existem sempre funções onde todos ou quase todos podem acrescentar.
A maior empregabilidade de pessoas com deficiência constrói uma comunidade mais inclusiva e isso é bom para as pessoas, é bom para as suas famílias, é bom para as empresas e faz de nós uma comunidade melhor.
Depois de vermos tudo isto, uma alavanca muito importante passa por garantir que as empresas tomam consciência e avançar com a vontade de recrutar mais pessoas com deficiência.
A nossa expectativa é que se um conjunto de empresas com dimensão e relevância assumir o compromisso de percorrer este caminho, o mercado vai começar a funcionar seja porque outras empresas o querem fazer seja porque as empresas de recrutamento e as IPSS se tornam mais pró-activas.
Nesse sentido, convidámos um conjunto de 24 empresas e instituições para assumir conjunta e publicamente um compromisso de reforçar a empregabilidade de pessoas com deficiência, e assim aconteceu no passado dia 20 de Março, no Hovione Atrium da Nova SBE em Carcavelos.
Estas empresas de enorme relevância na comunidade assumiram – através dos seus mais altos responsáveis – que estão disponíveis para reforçar a empregabilidade de pessoas com deficiência. É certo que se existe uma nova lei que vem colocar obrigações de empregabilidade, nada substitui a vontade genuína e o empenho das instituições. Para garantir que não fazemos apenas mas que fazemos bem.
Agora é evidente que sendo este um passo fundamental para criar o mercado é apenas um ponto de partida. É extremamente necessário mas está longe de ser suficiente.
E o processo vai ser difícil, vai ser duro, vai ter revezes. E vai exigir resiliência. Vai exigir o compromisso das lideranças mas também das direções de recursos humanos e das empresas no seu conjunto. É preciso envolvimento e acompanhamento. Com empenho mas exigência. E é por isso que ainda mais importante que estas empresas – com esta visibilidade e responsabilidade – se comprometam a fazer isto acontecer. Conscientes que estão do compromisso que estão verdadeiramente a assumir.
Não queremos passar uma mensagem de facilidade. Mas estamos confiantes e esperançados. Porque estamos perante intervenientes de grande qualidade – se há pessoas com capacidade de superação em tantas e tantas circunstâncias são as pessoas com deficiência; se há instituições que operam verdadeiras milagres com recursos limitados são as IPSS; e por fim temos o compromisso de algumas das maiores e melhores empresas em Portugal habituadas a vencer e ultrapassar grandes desafios. Se colocarmos a energia de todos neste desafio, com gradualidade e ponderação, podemos começar a ter resultados e esperamos poder ver progressos nos próximos anos.
Agora a questão já não é se queremos fazer. É verdadeiramente como fazer. E fazer acontecer, com o apoio de todos.