Na Atlantic Meals, uma das maiores empresas de produção de arroz a atuar em território nacional, a energia é um fator relevante na competitividade. A fatura energética representa quase 14% dos custos operacionais da empresa. Para aliviar esses encargos, a Atlantic Meals avançou, em 2013, com um investimento de 170 mil euros num pacote de soluções de eficiência energética. A verdade é que “o valor investido já está totalmente amortizado com as poupanças conseguidas”, conta à EXAME João Louro, responsável pela gestão de energia da empresa.
O projeto, feito em Coruche, incluiu a instalação de motores de alto rendimento, variadores de velocidade e substituição da iluminação por lâmpadas LED, com uma redução dos consumos elétricos de 17%. O pacote de intervenções foi feito ao abrigo do programa Save to Compete, criado pela EDP para financiar iniciativas de melhoria da eficiência energética da indústria portuguesa. Mas a Atlantic Meals não ficou por aí. “Por outro lado, e dentro do mesmo espírito, foram investidos 400 mil euros numa minigeração fotovoltaica de 250 kW, que entrou em funcionamento em 2013 e cujo payback (retorno) é estimado em oito anos”, explica João Louro. Já em 2015 a empresa procedeu à troca do gás de petróleo liquefeito (GPL) pelo gás natural, uma reconversão de combustível que permitiu melhorar a sua pegada ambiental.
Muitas das intervenções feitas fazem parte do leque de soluções mais comuns a que as indústrias podem recorrer para baixar a sua fatura energética. No âmbito do programa montado pela EDP já foram adotadas medidas em dezenas de empresas portuguesas, cujas poupanças acumuladas superam nove milhões de euros.
Sofia Tavares, diretora da EDP Comercial com a área da eficiência energética, considera que o nível de preocupação dos empresários com a fatura da energia aumentou nos últimos anos. “Num contexto atual de elevada concorrência, a competitividade das empresas passa por olhar com muita atenção para todas as rubricas de custos de produção, incluindo a energia.
Consumir o menos possível, mantendo ou melhorando os níveis de produção, é uma preocupação que os empresários evidenciam hoje mais do que há alguns anos”, sublinha a responsável da EDP.
Mas há muito trabalho a fazer. “O passo que os nossos empresários têm ainda que dar é deixar de ver o tema da eficiência energética como um assunto meramente técnico, para ser visto como um projeto de investimento. É muito importante sensibilizar a gestão de topo das empresas e reforçar que a eficiência energética é uma aposta vencedora, com projetos de rentabilidade financeira muito interessantes, com contributo direto na competitividade dos seus negócios”, avalia Sofia Tavares.
Energia como custo de contexto
Seja em pequenas empresas, seja em grandes indústrias, pôr os trabalhadores a pensar no tema pode dar bons frutos. A Autoeuropa é um desses casos. A fábrica da Volkswagen em Palmela tem desenvolvido desde 2010 medidas para envolver os colaboradores na poupança de energia. Desde programar os aparelhos de ar condicionado e a iluminação até à recuperação de energia para aquecimento de água, foram várias as soluções tomadas. “Em comparação com 2010, hoje gasta-se menos 20% de energia para fabricar um carro”, contou à EXAME fonte oficial da empresa.
Em muitas indústrias, os vários fatores de produção são ponderados de forma recorrente por comparação com outras fábricas semelhantes. Menores custos de produção podem ser decisivos para uma unidade de uma multinacional captar um investimento, em detrimento de outra fábrica noutro país. Em 2014, o presidente da PSA Peugeot Citroën, o gestor português Carlos Tavares, apontava o dedo à energia. “Os custos da eletricidade em Portugal são 40% mais elevados do que em França”, afirmava, para ilustrar as dificuldades sentidas pela fábrica da PSA em Mangualde. Para esse fosso concorria, por um lado, o facto de França ter uma abundante produção de energia nuclear (mais barata) e, por outro, o facto de a própria PSA não ser abastecida no nível de tensão mais adequado. Embora Portugal continue a pagar uma eletricidade mais cara que França, a verdade é que a fábrica de Mangualde acabou por corrigir a sua ligação, passando a ser servida diretamente pela rede de alta tensão, conseguindo aí uma redução da fatura.
Nas PME, a redução da fatura energética pode começar, desde logo, por conhecer melhor o que se consome. Este ano, a Galp Energia lançou em parceria com a portuguesa ISA Energy um programa de eficiência para as empresas. O Galp Energy Manager permitirá a 160 empresas obter um serviço de contagem inteligente de consumos de eletricidade, gás e água por 660 euros por ano. Basílio Simões, administrador da ISA, sublinha que “as grandes empresas têm custos mais controlados, mas nas PME isso não acontece e verifica-se que há algum desperdício e um desconhecimento dos gastos”. A solução usada no projeto com a Galp, denominada Kisense, permite monitorizar esses gastos em várias áreas da empresa, para que depois se possa otimizar o uso dos equipamentos. A ISA já utilizou esta tecnologia em dois mil edifícios. “Temos poupanças que andam entre 10% e 20%”, relata Basílio Simões.
Poupar a todo o gás
Para muitas empresas a fatura energética está longe de se resumir à eletricidade. O Grupo Dourogás tem em curso investimentos numa rede de postos de abastecimento de gás natural para veículos, estimando que esse combustível permite às frotas de pesados uma poupança de 30% a 40% face ao custo que teriam com gasóleo.
A Dourogás tem já cinco postos próprios e está a construir um sexto, em Elvas. “O balanço é com certeza positivo”, avalia Nuno Afonso Moreira, administrador da empresa que soma alguns clientes de referência que modernizaram as frotas com veículos a gás, como a STCP, a Carris, empresas de transporte de resíduos e outros transportadores. E mesmo com a queda do preço do petróleo, e consequente descida do diesel, a opção do gás natural para veículos é competitiva, garante o gestor.
O gás é também um combustível interessante para muitas indústrias que precisam para os seus processos produtivos de recursos como o vapor. Nesses casos, as centrais de cogeração (produção simultânea de energia elétrica e térmica) apresentam-se como uma solução. Segundo o presidente da comissão executiva da Cogen (associação representativa da indústria da cogeração), Miguel Gil Mata, apostar numa cogeração pode render uma poupança na fatura energética em torno de 10%, podendo o investimento ser amortizado em perto de 10 anos. “O facto de se poder ou não fazer cogerações é determinante. Estamos a falar de empresas exportadoras, que vão criar emprego”, comenta o responsável da Cogen. Hoje, há em Portugal cerca de 100 centrais de cogeração, que somam uma potência de 1500 megawatts (MW), sendo dois terços alimentados a gás natural e um terço a biomassa. É uma solução comum a indústrias como a cerâmica, a têxtil, a química, entre outras.
Além de intervenções técnicas que podem minimizar os consumos, as empresas em busca de faturas energéticas mais reduzidas podem trabalhar também do lado do preço. Para clientes industriais, pode compensar negociar em simultâneo com vários fornecedores para conseguir um desconto nas tarifas. Nas PME será mais difícil conseguir esmagar os preços, mas a consulta frequente aos diferentes operadores pode permitir a cada empresa otimizar a sua fatura. “Independentemente do segmento de clientes empresariais a quem as ofertas de energia se destinam, a intensidade competitiva traduz-se, em teoria, em melhores preços unitários”, concorda Sofia Tavares, da EDP Comercial.
Que deixa um alerta: “A redução na quantidade (eficiência) traduz-se em maiores benefícios e de caráter mais permanente do que a simples negociação periódica dos preços.”
PREÇOS
Como podem as famílias reduzir a conta da energia?
Em 2015, as famílias portuguesas pagavam pela eletricidade o sexto preço mais caro da União Europeia, somente atrás da Dinamarca, Alemanha, Itália, Irlanda e Espanha, segundo os dados do Eurostat relativos aos preços finais, incluindo impostos. Mas tendo em conta a diferença de rendimentos entre os vários países, o cenário é ainda mais negro: em paridade de poder de compra, o custo da energia elétrica para clientes domésticos em Portugal foi, no primeiro semestre do ano passado, o mais elevado da União Europeia. A situação não é fácil de reverter, tendo em conta que a existência de uma dívida tarifária de quase cinco mil milhões de euros no sistema elétrico nacional deverá implicar sucessivos aumentos dos preços, pelo menos até 2020. Mas como podem as famílias aliviar a sua fatura? Há várias soluções ao alcance dos consumidores residenciais. Uma delas é ajustar a potência contratada às reais necessidades de consumo. A potência contratada traduz-se num encargo fixo mensal. Reduzir esse nível de potência para o estritamente necessário pode garantir alguns euros a menos na fatura de eletricidade. Outra via de redução é consultar periodicamente os tarifários dos vários comercializadores e contratar os que tenham os preços mais baixos (o processo de mudança de fornecedor é gratuito e não implica interrupções no abastecimento). Atuar do lado do consumo também pode gerar poupanças: aderir às lâmpadas LED, privilegiar equipamentos com as classificações mais elevadas de eficiência energética e optar pelas tarifas bi-horárias se puder deslocar para a noite a maior parte dos consumos são medidas ao alcance de todos nós.
E quem esteja disponível para um investimento adicional pode optar pela produção própria de energia. Mas antes de investir em painéis solares há que saber quanto se consome, estudar que parte dessa energia poderá ser abastecida pelos módulos fotovoltaicos e projetar o período de retorno do investimento.
10 SOLUÇÕES PARA AS EMPRESAS
Será que o ar condicionado precisa de ser ligado quando os trabalhadores entram no escritório? Para saber onde poupar comece por saber onde gasta
1 AUDITORIAS
O primeiro passo que uma empresa pode dar para baixar a sua fatura é recorrer a uma auditoria energética às suas instalações, para conhecer melhor o seu perfil de consumo e identificar as áreas em que há espaço para ganhos de eficiência.
2 AUTOCONSUMO
Produzir uma parte da energia consumida é uma das soluções que tem conquistado cada vez mais empresas. Os sistemas de autoconsumo permitem que uma instalação produza a sua própria energia (por exemplo, a partir de painéis solares).
Nos momentos em que eventualmente a produção supere os consumos locais, a eletricidade pode ser vendida à rede.
3 COGERAÇÃO
Os sistemas de cogeração (produção simultânea de energia elétrica e térmica) permitem ganhos de cerca de 10% face ao que custaria a aquisição separada daqueles dois serviços. É uma solução muito comum em indústrias como a cerâmica, a têxtil, a química e a papeleira.
4 ILUMINAÇÃO
A substituição de lâmpadas convencionais por LED proporciona, por si só, uma diminuição relevante no consumo de energia.
Mas há mais: em fábricas e instalações logísticas, é possível aproveitar as coberturas para colocar tubos solares, que permitem trazer mais luz natural para os espaços fechados e, assim, diminuir o gasto com luz artificial.
5 VARIADORES DE VELOCIDADE
Esta é uma solução técnica que pode ser usada em empresas industriais e agrícolas com sistemas de bombagem, ventilação, compressão e exaustão, que funcionem pelo menos em dois turnos. A instalação de variadores eletrónicos de velocidade permite otimizar a velocidade de um motor, reduzindo o seu consumo de eletricidade.
6 SUBSTITUIR EQUIPAMENTOS
A troca de equipamentos antigos por outros energeticamente mais eficientes é outra opção.
Indústrias que usam sistemas de ar comprimido, por exemplo, podem reduzir a fatura elétrica ao substituir os seus compressores ou ao corrigir ineficiências nas instalações existentes.
7 TROCA DE COMBUSTÍVEL
Indústrias que usavam fuel para produzir vapor e substituíram esse combustível por gás natural tiveram ganhos importantes na sua fatura energética, com um retorno rápido do investimento feito. Também nos transportes é possível baixar custos ao converter uma frota a gasóleo para veículos movidos a gás natural.
8 NÍVEL DE TENSÃO
Uma indústria servida num nível de tensão inadequado paga tarifas de eletricidade mais caras.
Contactar os fornecedores de energia para avaliar qual a ligação mais indicada é meio caminho para evitar faturas desnecessariamente elevadas.
9 AJUSTAR CONSUMOS
Será que o ar condicionado precisa de ser ligado quando os trabalhadores entram no escritório? Ou seria mais vantajoso arrefecer as instalações durante a madrugada, aproveitando as tarifas de eletricidade mais baixas? Deslocar alguns consumos em função dos períodos tarifários disponíveis pode ajudar as empresas a reduzir os seus encargos.
10 RENEGOCIAR CONTRATOS
Há quem diga que a energia mais barata é aquela que não se consome.
Mas se do lado da procura já tivermos feito tudo para reduzir o consumo, resta procurar no mercado os melhores preços. Comparar tarifários e negociar com vários fornecedores de energia ao mesmo tempo pode render descontos interessantes na fatura energética.
Este artigo é parte integrante da edição de Março de 2016 da Revista EXAME