Música triunfal. Os ecrãs gigantes mostram o barco de competição da Oracle a cortar a meta na American Cup de 2013. Foi com esta atmosfera gloriosa que Larry Ellison, o lendário fundador da Oracle, entrou no palco do grande auditório Moscone Convention Center, em São Francisco, para fazer o seu habitual discurso no Oracle OpenWorld. Era um dos mais aguardados momentos do evento que a tecnológica californiana organiza anualmente, no final de outubro. Larry Ellison mostrou aos mais de 60 mil clientes e parceiros de todo o mundo que se deslocaram a São Francisco as inovações tecnológicas que a empresa está a preparar para os próximos anos, um ano depois de o septuagenário fundador ter deixado a presidência executiva da empresa e ter assumido o cargo de diretor da tecnologia (CTO chief technology officer). Saiu como recordista entre os fundadores/ presidentes a ocupar mais tempo o cargo na história de Silicon Valley, mas Larry Ellison continua a ser na prática quem dita as regras na estratégia da empresa californiana.
Para muitos dos presentes no auditório do Moscone Convention Center estas imagens do final da American Cup faziam recordar o momento inesquecível, ocorrido em 2013, quando Larry Ellison os deixou ‘pendurados’ e não fez o aguardado discurso agendado no evento Oracle OpenWorld. Isto porque o patrão da Oracle decidiu assistir à prova decisiva da American Cup na baía de São Francisco, que decorria à mesma hora. A ausência não foi em vão, porque Larry Ellison pôde testemunhar a épica vitória da equipa dos Estados Unidos/Oracle na American Cup. Após uma luta renhida, conseguiu cortar a meta em primeiro, à frente da rival Nova Zelândia. O cancelamento do discurso de Ellison acabou por não ser considerado uma afronta para legião de fãs e clientes da Oracle que costumam ir ao evento, porque a empresa era o principal patrocinador da embarcação vencedora da prova rainha da vela a nível mundial. E ainda porque é bem conhecida a paixão que o excêntrico veterano da indústria de tecnologias de informação tem pelos desportos náuticos. Ele próprio participou várias vezes, arriscando a vida, em competições de vela em alto mar.
Seja como for, os dois discursos proferidos por Larry Ellison no evento Oracle OpenWorld 2015 deram para confirmar que o ex-presidente executivo da multinacional californiana (o cargo é agora desempenhado por Mark Hurd, ex-CEO da HP, e por Safra Katz, um homem da casa) está numa nova fase da sua longa carreira. Em vez do líder visionário que procurava antecipar os caminhos futuros da Oracle e da indústria de tecnologias de informação, Ellison está agora como peixe na água no papel de responsável pela inovação tecnológica da empresa. Desempenha, aos 71 anos, a absorvente tarefa de CTO, quando a maioria dos líderes da indústria da sua geração já se retirou. Por exemplo, Bill Gates, 12 anos mais novo que Ellison, retirou-se em 2007 da Microsoft, para se dedicar à filantropia. Larry Ellison é o 5.º homem mais rico do mundo, com uma fortuna avaliada em 56 mil milhões de dólares, depois de ter estado 37 anos ao leme da Oracle.
A paixão de Ellison pela tecnologia
Na Oracle OpenWorld, evento que teve três mil sessões paralelas e 2500 oradores, Ellison mostrou continuar a ter um conhecimento profundo e detalhado das questões técnicas e da concorrência. Esta paixão que ele mantém pela tecnologia sempre gostou estar perto das áreas de engenharia ficou bem patente nas duas intervenções (keynote speech) em que ao longo de duas horas procurou mostrar o que a Oracle anda a desenvolver para ser líder em diferentes áreas, seja na nuvem, no big data ou na segurança dos sistemas de informação. Este tema da segurança, considerado um dos mais importantes para os clientes empresariais na atualidade, foi o que dominou a segunda intervenção de Larry Ellison no penúltimo dia da Oracle OpenWorld. E fê-lo com alguma profundidade técnica, que, por vezes, se tornou um pouco fastidiosa, provocando até a saída de dezenas de ouvintes antes de terminar o discurso. Anunciou que a empresa atingiu um novo patamar na segurança de informação, porque a sua autenticidade é validada pelo silício (a memória física do computador), e não apenas por encriptação de software, que é mais vulnerável a ataques.
Mas para que as suas apresentações não se tornassem demasiado maçadoras, Larry Ellison não deixou, como sempre, de apimentar os discursos com algumas alfinetadas nos mais diretos concorrentes da Oracle. Desta vez os visados foram a SAP e a IBM. Acusou-as de fazerem promessas de presença no mercado da computação na nuvem para as empresas, mas que depois, na prática, não se concretizam. “Não os encontro em lado nenhum”, disse com ênfase, recolhendo alguns risos da audiência.
É curioso que há mais de 10 anos o fundador da Oracle chegou a desdenhar publicamente do surgimento dos fornecedores de computação na nuvem. Começou por ver o aluguer de software através da Internet como uma ameaça ao negócio tradicional da Oracle, assente na venda de licenças de software. Porém, apesar de ser um homem de convicções fortes e que não costuma dar o braço a torcer, fez a Oracle dar meia volta e acabar por aderir quando percebeu que o cloud computing não era uma moda passageira e que o futuro do mercado das tecnologias de informação iria passar por aí.
Nos últimos anos, Larry Ellison passou ao ataque e agora diz que a Oracle aderiu de alma e coração à nuvem, ao contrário dos seus rivais (SAP e IBM), competindo nos três níveis: aplicações, plataforma e infraestrutura. Afirma que a Oracle está há 10 anos a reescrever a suíte de aplicações para nuvem, quase há tanto tempo como as empresas que nasceram e cresceram na era da Internet, como a Amazon e a Salesforce.com, que foi fundada pelo ex-Oracle Marc Benioff.
Ellison mostra respeitar a importância que a empresa de Jeff Bezos, a Amazon, adquiriu na computação nuvem no segmento da infraestrutura como um serviço (IaaS Infrastructure as a Service). A ideia é não entrar em guerra de preços com a Amazon. Admite que a Oracle não será a número um, mas que será apenas um dos principais competidores. O objetivo é estar no segmento alto da IaaS, uma vez que a Oracle pode tirar partido da junção dos servidores e dos sistemas de armazenamento herdados da Sun Microsystems (empresa de equipamento informático adquirida pela Oracle em 2009) com a tecnologia de base de dados o primeiro negócio da Oracledesde que foi criada, em 1977, e onde tem provas dadas no mercado. Mesmo assim, o fundador da Oracleavançou com uma oferta agressiva, propondo o armazenamento de um terabyte de informação por um dólar/mês.
Mas o principal objetivo da empresa de Larry Ellison é ser o número um no negócio da cloud relacionado com as aplicações empresariais (SaaS – Software as a Service), onde a Amazon não tem grande pegada e onde a Oracletem um grande portefólio de aplicações para as empresas, desde a área financeira, passando pela fabricação e até aos recursos humanos. E avançou com outro argumento irrefutável: o negócio do SaaS é mais lucrativo que o de IaaS.
Outra área da nuvem em que a Oracle também pretende ser o número um é a da plataforma como um serviço (PaaS). É uma área onde a empresa está à vontade, não só porque tem tecnologia de base de dados que garante bom desempenho, como a empresa tem procurado estar nas áreas de segurança, software analítico (big data) e ferramentas de visualização de dados (tableau de board para executivos).
As qualidades e a ambição da eternidade
Até quando Larry Ellison irá continuar à frente dos destinos da Oracle? Ninguém sabe ao certo. Mas tudo indica que ele não se irá aposentar tão cedo e que vai querer continuar a liderar ou a influenciar os destinos da Oraclenos próximos anos. Para esta figura lendária de Silicon Valley, que gosta de pilotar jatos, de participar em corridas de barcos e que é admirador da cultura nipónica tem uma enorme mansão estilo japonês em Silicon Valley e coleciona sabres de samurais, parece não haver limites. Agora, aos 71 anos, sonha em ser eterno. Uma das causas em que é filantropo, neste caso com interesse próprio, foi ter criado a Ellison Medical Foundation, uma organização dedicada à extensão da vida.
Protagonista de extravagâncias e de comportamentos excêntricos (por exemplo, tem um avião de combate soviético MIG 29), a lenda Larry Ellison tem vindo a crescer ao sabor do tempo. Contam-se diversas histórias, não se sabendo bem quais são as verdadeiras e as falsas (ver imagens do MIG 29, superiate e casa japonesa). Qual terá sido a sua maior frustração? Tentou duas vezes comprar uma equipa de basquetebol – primeiro, a New Orleans Hornets, e depois, a Golden Gate Warriors -, mas até agora nunca conseguiu.
O empreendedor Dheeraj Pandey, cofundador da tecnológica Nutanix, que trabalhou alguns anos na Oracle há mais de uma década e nutre uma especial admiração pela liderança de Larry Ellison, diz que tem aplicado na sua empresa algumas das lições que aprendeu com o fundador da Oracle. Um dos segredos do sucesso, considera Pandey, é a obsessão que Larry Ellison tem pelos produtos da empresa, o que o levou, 37 anos depois de ter criado a base de dados e de ter ficado multimilionário, a assumir a função de diretor de tecnologia. Uma obsessão que se traduz em criar produtos que vão ao encontro das necessidades dos utilizadores empresariais e das tendências de mercado. Por exemplo, fez a tecnologia de base de dados evoluir ao longo do tempo, e primeiro na década de 90, quando tornou as bases de dados adaptadas à internet. Anos depois, adaptou este software à computação na nuvem.
Outra característica que este ex-empregado admira é a proximidade de Larry aos técnicos e engenheiros especialistas, que permite que os melhores tenham ficado na Oracle durante décadas. Noutras empresas onde o líder não criou esta ligação e esta cultura que em tempos se chamou Oracle Red cria-se um sistema hierárquico que leva a que os especialistas se sintam marginalizados. Ora, como diz Pandey, Larry Ellison sabe “manter o controlo sobre essas pessoas, ultrapassando as hierarquias e pagando-lhes bem”.
Apesar de se tratar de um líder superegocêntrico e carismático, o fundador da Oracle não tem tido medo de dar espaço aos rebeldes na empresa. Ou seja, não se rodeou apenas, refere Pandey, de executivos que dizem ‘sim’. Foi essa abertura que permitiu ter durante anos na equipa da empresa gestores como o CEO da Salesforce, Marc Benioff, que hoje é um rival na nuvem, ou ter como braço direito Ray Lane, que viria a ser chairman da HP. Este jogo de cintura permitiu à Oracle ter mais sucesso do que outras empresas americanas de tecnologia em mercados difíceis como a China ou o Japão.
Outra característica que explica a trajetória de Ellison é ser extremamente competitivo. Larry Ellison teve ao longo do tempo diversos ódios de estimação. Há relatos que contam que ele, no início dos anos 90, chegou a partir um computador pessoal em palco, num discurso inflamado contra a Microsoft e o seu fundador, Bill Gates. Nessa altura defendia que o modelo ideal para a informática empresarial era o chamado PC ‘magro’ (thin cliente), ligado a um servidor central, em vez do PC ‘gordo’, que tinha sistema operativo Windows e processadores Intel.
Mas recentemente Larry Ellison também foi polémico quando afirmou que os programas de vigilância massiva da NSA eram “absolutamente necessários” e elegeu a Google como um dos novos rivais, considerando uma “maldade absoluta” o facto de a empresa de Larry Page usar tecnologia Java (que é propriedade da Oracle) no sistema operativo Android, que domina o mercado dos smartphones. Larry Ellison acusa a Google de pilhar a propriedade intelectual ao clonar a linguagem de programação Java. Se a Oracle ganhar esta batalha legal, é possível que existam sé rias implicações na forma como hoje se faz programação de computadores.
A LENDA
Larry Ellison
Fundador da Oracle Corporation
Idade 71 anos
Carreira
Fundou a Oracle em 1977 e transformou-a num gigante da tecnologia, com receitas anuais de 38 mil milhões de dólares
Fortuna
Ocupa o 5.º lugar dos mais ricos do mundo, com 56 mil milhões de dólares
ORACLE PORTUGAL
Crescimento de volta
Uma delegação de 60 portugueses esteve presente na Oracle Openworld, que decorreu no final de outubro em São Francisco. Desta comitiva faziam parte representantes de grandes empresas e organismos da Administração Pública clientes da Oracle e tecnológicas que integram produtos da multinacional. Uma delegação numerosa é um sinal, defende Hugo Abreu, diretor-geral da subsidiária portuguesa da Oracle, da vitalidade do negócio da empresa em Portugal. Apesar da crise económica, assinala que a empresa tem vindo a crescer nos últimos dois anos, por haver diversas organizações portuguesas que usam tecnologia Oracle para racionalizar os sistemas de informação. Atualmente com 175 colaboradores, a Oracle Portugal tem vindo a exportar serviços em áreas que se têm tornado centros de competência de nível internacional: base de dados My SQL e software vertical para retalho. Nos próximos anos, Hugo Abreu prevê crescimento do big data, computação na nuvem e aplicações em áreas verticais (banca e retalho).
OS NEGÓCIOS
Camadas hightech
Serviços e nuvem
Além de serviços de consultoria, computação na nuvem (aluguer de software, plataforma e infraestrutura através da Internet).
Aplicações
Um leque vasto de aplicações de software empresarial (ERP, CRM e recursos humanos), vendidos através de licenças.
Linguagens e sistema operativo
Detém a propriedade intelectual do sistema operativo Solaris e Oracle Lunux, e diversas linguagens de programação, como, por exemplo, Java.
Midleware
Além da área de base de dados, atua nas áreas de integração de sistemas, gestão de processos (BPM), big data, gestão de conteúdos, entre outras.
Infraestruturas
A compra da Sun, em 2007, permite estar presente na área de servidores e armazenamento de informação.
Este texto é parte integrante da edição de janeiro de 2016 da revista EXAME