Imagine o leitor que chega a um país que não é o seu. Que decide plantar uma vinha onde nunca ninguém ousou. Que depois lhe dizem para seguir as regras para produzir o vinho, e que você as subverte e inova. Que lhe dizem para plantar castas brancas, e você opta pelas tintas. Que quando dá a provar os seus primeiros vinhos eles são completamente arrasados pelos críticos. Que você não desiste e envia os vinhos para um concurso internacional. E que arrebata os principais prémios. E depois continua a ganhar prémios. É esta a história, de onde se podem retirar muitas lições, de Hans Kristian Jorgensen, o produtor dos vinhos Cortes de Cima.
Hans Kristian Jorgensen nasceu em Skals Hojskole, Jutland, na Dinamarca, a 9 de abril de 1940, tirou o curso de Engenharia Mecânica e aceitou como primeiro emprego uma oferta de trabalho na Malásia, como engenheiro assistente na empresa dinamarquesa United Plantations. Viveu ali durante 21 anos, numa plantação de óleo de palma, no meio da selva, onde apenas se chegava de barco ou de avião. O meio inóspito estimulou-o a criar novas máquinas e novas formas de as usar. Em 1984, Hans e Carrie, sua mulher, decidem regressar à Europa num veleiro, à procura de um lugar para plantar vinha e criar família. O barco atracou em Portugal e Hans e Carrie compraram a Cortes de Cima em 1988, uma herdade no Alentejo.
Em 1991, depois de instalar a eletricidade e construir a própria barragem para irrigação, começam a plantar as primeiras vinhas. Hans, contudo, decidiu não seguir os conselhos locais nem as regulamentações. Nessa altura, a Vidigueira era conhecida pelas suas variedades brancas. Hans opta por plantar castas tintas. Aconselhado a seguir o sistema DOC, que impõe as variedades tradicionais e o sistema tradicional de condução da vinha Cordon Francês, opta por outro caminho, um sistema de condução das vinhas chamado Smart-Dyson. Contra os regulamentos, Hans planta Syrah, pois estava convencido de que esta casta se daria bem no clima alentejano. A fama do Cortes de Cima Syrah levará à alteração das regras anos mais tarde.
Em 1996, o casal lança o seu primeiro vinho Cortes de Cima, produzido e engarrafado na propriedade. Os críticos são demolidores, tecendo severas críticas ao estilo do vinho. Hans e Carrie não desanimam e enviam os vinhos das duas primeiras vindimas (1996 e 1997) para o International Wine Challenge 1998, em Londres. As medalhas mais importantes para Portugal são arrecadadas pelos seus vinhos. O primeiro Syrah “ilegal”, batizado, com algum humor, de Incógnito 1998, ganha uma medalha de ouro em Bruxelas. Jancis Robinson, uma das vozes mais respeitadas da crítica internacional vinícola, considera-o um dos seus vinhos portugueses preferidos. A imprensa portuguesa muda de opinião e enaltece os vinhos Cortes de Cima como “a última descoberta vinícola”. A fama consolida-se e as marcas Cortes de Cima, Chaminé e Incógnito passam a ser conhecidas e apreciadas pelos consumidores portugueses.
Agora, num dos mais importantes concursos mundiais de vinho, a Vinalies Internationales, o Cortes de Cima 2013 foi eleito o melhor vinhobranco do mundo entre concorrentes de 40 países. O vinho obteve a mais alta pontuação dada pelo júri a um vinho no concurso de 2015. Mas a distinção é tanto mais extraordinária quanto se trata de um prémio que distingue um vinho branco numa região famosa pelos seusvinhos tintos.
A história dos Jorgensen prova que com trabalho, inovação e pensar fora da caixa se pode obter resultados surpreendentes e muito positivos. E o mérito é tanto maior quando Hans e Carrie conseguiram atingir o êxito num país estrangeiro e numa região interior e pouco cosmopolita. Só podemos agradecer aos dois terem-nos dado este exemplo de empreendedorismo tão inspirador.
Este artigo é parte integrante da edição de abril da Revista Exame.