Um ano e dois meses depois de a ZON e de a Optimus terem avançado em força com uma fusão há muito sonhada, o balanço não podia ser mais positivo. A nova empresa, cujo rosto é Miguel Almeida, criou 2400 novos postos de trabalho, aumentou o número de clientes e mudou de marca.
Tem pouco mais de 27% do mercado, mas diz-se capaz de substituir a PT Portugal em toda a linha, desde a cobertura do país ao investimento e inovação. Miguel Almeida defende que a venda da PT não é um drama e que a única coisa que importa assegurar é o acesso às infraestruturas básicas: condutas e cabos submarinos.
Miguel Almeida, presidente da NOS, está radiante com os resultados da fusão entre a ZON e a Sonae. Foi, salienta, “tudo feito em tempo recorde” e com “tranquilidade. A NOS é um case study. Um caso único. Um sucesso”, diz, sem pudor, o líder de uma empresa que junta os interesses da Sonae e da angolana Isabel dos Santos e que é hoje o segundo maior operador de telecomunicações do país.
A maioria das fusões corre mal; esta está a correr bem, garante. E até já criou emprego, quando a tradição das fusões é destruir. Mais: um ano e dois meses depois de ter “luz verde” definitiva das autoridades, a fusão está praticamente concluída. A parte visível da operação, a que diz respeito aos clientes, está feita. Falta agora a integração do sistema, uma questão técnica, interna e complexa, e por isso mais demorada. A fusão está, diz o gestor, a correr melhor e mais rápido do que o previsto. Afinal, o plano inicial previa a conclusão da operação ao fim de três anos.
Um sucesso tornado possível pela adesão das pessoas, assegura o gestor, de 47 anos, escolhido para liderar um processo que juntou quadros de duas empresas concorrentes e rivais. “Nestas coisas, não há heróis. Correu bem porque as equipas de ambos os lados contribuíram para isso”, afirma Miguel Almeida. E porquê? Porque, defende, acreditaram que estavam num projeto “atrativo”, “com futuro” e que “irá mudar o panorama do setor das telecomunicações” em Portugal. “E o mais complicado numa fusão são as pessoas”, acrescenta. Uma adesão que não deixa de surpreender, porque não houve aumentos salariais, mas obrigou a sair da chamada zona de conforto e a trabalhar mais horas.
A equipa está esticada, e Miguel Almeida reconhece que não pode puxar mais. Por isso vai manter, para já, em suspenso a possibilidade de avançar com a exportação da plataforma de televisão criada pela ZON, a Iris, que tem gerado muito interesse no exterior, nomeadamente no Japão. O facto de as pessoas terem sido escolhidas pela competência, e não pelo local de origem, acabou por ajudar a que o processo avançasse. E na realidade as funções de topo da NOS acabaram por estar equitativamente divididas entre quadros da ZON e da Optimus.
Fusão a todo o vapor
É, aparentemente, uma fusão quase sem dor. Saíram 100 pessoas das quase oito mil que resultavam da junção entre a operadora de cabo ZON e a operadora móvel Optimus, mas foram criados, entretanto, mais 2400 postos de trabalho. São mais de 10 mil as pessoas que hoje trabalham direta e indiretamente para a NOS, uma empresa que aposta sobretudo na oferta de produtos convergentes: voz fixa e móvel, Internet e televisão.
“Conseguimos alterar a oferta, a abordagem comercial, a marca, continuar a servir os clientes. Ganhámos quota de serviços, quota de receitas, quota de EBITDA (meios libertos operacionais)”, explica Miguel Almeida. E acrescenta: “Fizemos uma transformação completa da estratégia comercial, uma coisa que poucas vezes acontece em fusões. E temos tido crescimento da base de clientes e resultados financeiros bastante acima dos nossos concorrentes. Aconteceu tudo em tempo recorde”, sublinha o gestor. A NOS tem uma quota global de serviços superior a 27%. O objetivo da nova operadora era passar de 25% para 30% em cinco anos.
O lançamento da marca NOS, em maio, suscitou bastante polémica nas redes sociais, com pessoas a considerar a campanha pouco criativa e um passo atrás face à Optimus. Uma situação que Miguel Almeida desvaloriza: “Já viu alguma coisa mudar sem criar polémica? É ruído”, diz. E assegura que a NOS já tem 98% de notoriedade e morde neste capítulo os calcanhares aos concorrentes. A verdade é que a empresa gastou chorudos milhões no lançamento da marca. Quanto? Miguel Almeida não diz. Mas admite que a NOS foi o maior anunciante do país entre maio e junho. Agora já não é. Com a nova marca veio também a reformulação do parque de lojas, processo que o gestor diz também já estar concluído.
As sinergias conseguidas com a fusão, avança Miguel Almeida, mantêm-se nos já anunciados 800 milhões de euros, com uma poupança anual de 300 milhões de euros nos primeiros cinco anos. A contribuir para o sucesso da fusão está também o facto de a convergência e a oferta em pacote de serviços fixos e móveis ser a tendência do setor, o que assenta como uma luva na NOS. A ZON é um operador de cabo com uma quota de mercado de 51% na altura da fusão -e a Optimus, um operador móvel, o mais pequeno (19,5%). É um casamento perfeito. Paulo Azevedo, presidente da Sonae, e Isabel dos Santos, quando se juntaram para criar a ZOPT, dona de 50,1% da NOS, já o sabiam. Era ouro sobre azul. Aliás, há vários operadores de cabo e móvel a juntarem-se um pouco por todo o mundo.
E com quem gere Miguel Almeida a NOS? Com uma equipa muito reduzida de administradores herdados da ZON, da Optimus e da angolana Unitel. Miguel Almeida, o presidente da comissão executiva, é um quadro da Sonae há cerca de duas décadas e presidia à Optimus desde 2010. O vice-presidente e administrador financeiro, José Pedro Pereira da Costa, veio da ZON, onde já ocupava este cargo. É do operador de cabo que vem também André Almeida, um quadro que conhece bem a ZAP, operação de cabo em Angola e Moçambique, e que tem estado ligado aos projetos da Lusomundo. Ana Paula Marques e Manuel Ramalho Eanes vieram da Optimus, a primeira mais ligada ao negócio residencial, o segundo ao segmento empresarial. Da Unitel, operadora móvel onde Isabel dos Santos detém uma posição de 25%, veio Miguel Martins, uma recente baixa na equipa. O homem de Isabel dos Santos, profundo conhecedor do mercado angolano, saiu para um projeto pessoal e ainda não foi substituído.
O conselho de administração é presidido pelo advogado José Brito Pereira.
E tem nomes sonantes ligados aos acionistas: Isabel dos Santos, acionista da ZOPT e, entre outros, da Unitel, Ângelo Paupério, o braço direito de Paulo Azevedo, António Lobo Xavier, jurista da Sonae, Joaquim Oliveira, ex-acionista da ZON e acionista da Controlinveste, Mário Leite Silva, o representante da empresária angolana em Portugal, e Rodrigo Costa, expresidente da ZON.
A sede da NOS em Lisboa, no Campo Grande, fica num edifício que era da ZON. O centro de operações fica, assim, mais distante de um dos acionistas de referência, a Sonae, precisamente aquela que dá o cunho de capital português à empresa.
A nova PT?
Sopram ventos a favor da fusão. A hecatombe da PT, na sequência da aplicação de 897 milhões de euros na entretanto falida Rioforte, aconteceu num momento perfeito para a operação que juntou a ZON e a Optimus. As duas operadoras fundiram-se num momento em que a PT Portugal, a empresa dominante, com uma quota de mercado de 50%, estava debilitada e com as atenções viradas para outros processos. Primeiro foi a fusão com a Oi, que levou Zeinal Bava, então presidente da PT, para o Brasil, para assumir a liderança da operadora luso-brasileira.
Mais tarde, foi o colapso do Grupo Espírito Santo (GES), que atingiu a PT e abriu caminho para que esteja à venda e a ser disputada por fundos de capital de risco (Apax e Bain), a francesa Altice e, indiretamente, Isabel dos Santos, que lançou uma oferta pública de aquisição (OPA) sobre a PT SGPS, detentora de 25,6% da Oi.
Não podia ter corrido melhor. E a NOS já está a tirar vantagem da fraqueza da sua maior concorrente, hoje uma empresa com sede no Brasil. Conseguiu conquistar–lhe um dos seus maiores clientes, a Caixa Geral de Depósitos (CGD). Em menos de um ano, venceu concursos abertos que lhe permitiram ficar com a conta da Caixa, do BPI, do Montepio e da rede de hospitais e de centros de saúde do Ministério da Saúde. Um rude golpe para a PT, hoje gerida por Armando Almeida, um homem escolhido pelos brasileiros da Oi e que era um desconhecido em Portugal.
A NOS, garante Miguel Almeida, está preparada para ser o novo operador dominante do mercado português. E diz-se capaz de substituir a PT se algo acontecer ao operador incumbente na sequência da sua venda. Aliás, a NOS já presta o serviço público universal desde junho deste ano. E não tem havido nenhum constrangimento.
Orgulhoso, Miguel Almeida aceita a provocação e diz que até já é o maior operador português em alguns patamares. “Não somos o maior em quota, mas somos o que lidera, o que está a investir mais, o que aposta mais em inovação e no país. Mais, ouvidos todos os comentários, manifestos e apelos dos políticos sobre a importância daPT, tenho a dizer que o serviço público é prestado pela NOS. Não sei qual é o receio de a PT desaparecer, o que eu não acho que vá acontecer. Mas, se isso acontecesse, os serviços seriam prestados por nós”, salienta.
O gestor desdramatiza a possibilidade de algo de trágico acontecer à PT Portugal, hoje uma empresa brasileira. E diz mesmo que piores acionistas de controlo do que os que a PT teve nos últimos anos “é difícil”. Assegura que a única preocupação que tem é que o acesso às infraestruturas básicas, hoje nas mãos da PT, as condutas e os cabos submarinos, seja acessível a todos os operadores.
Apesar de assumir que pode substituir a PT Portugal, a sua grande rival de sempre, Miguel Almeida presta-lhe homenagem, dizendo que a PT é uma empresa competente, competitiva e inovadora, um dos melhores operadores incumbentes do mundo. Agora, a NOS está a fazer-lhe sombra. É já é maior que a marca PT na Bolsa de Lisboa: a NOS vale 2,4 mil milhões de euros, contra 1,2 mil milhões da PT SGPS. Paulo Azevedo já esteve mais longe da meta traçada quando, em 2006, lançou uma OPA sobre aPT.
O homem forte da NOS
Discreto, reservado, frontal, pragmático. Miguel Almeida, 47 anos, é um gestor que não gosta de gestores heróis e defende que só em equipa se conseguem resultados sustentados duradouros. Heróis, se os houver neste campo, são os empresários, salienta. Há 20 anos na Sonae, Miguel Almeida assegura que não gasta “um euro ou um minuto a tentar ganhar prémios de gestão”. E esclarece que não tem Facebook porque preserva, acima de tudo, a sua privacidade. Engenheiro mecânico, com um MBA no Insead, chegou à Sonae pela mão de Belmiro de Azevedo, que foi buscá-lo à escola dos gestores de elite da Europa, em Fontainebleau, em 1994. Apesar de ter feito carreira na Sonae, passou pela alemã Vulcano, em Aveiro, e teve um pé na vida académica com uma breve passagem pela Faculdade de Engenharia do Porto. Miguel Almeida entrou na Sonae para a equipa de marketing que estava a criar o Cartão Universo, o cartão de crédito da Sonae, na área da distribuição. Em 1999, entra na Optimus, a operadora móvel do grupo da Maia, o projeto liderado e acarinhado por Paulo Azevedo, o filho de Belmiro e aquele que o viria a substituir. Chega à administração da Sonaecom em 2005, um ano antes de a empresa lançar uma OPA sobre a PT. Cinco anos depois torna-se presidente da Optimus. A fusão entre a ZON e a Optimus torna-se realidade em outubro de 2013. E Miguel Almeida é escolhido por Isabel dos Santos e Paulo Azevedo para ficar à frente de um dos projetos mais desafiantes dos últimos anos em Portugal: a fusão da ZON com a Optimus. E, para já, está a sair-se bem.
Este artigo é parte integrante da edição de dezembro da revista EXAME