O avanço tecnológico da subsidiária portuguesa na distribuição de televisão através de fibra ótica abre porta para a instalação do quarto centro de competência do grupo Vodafone em Portugal. Mário Vaz já recebeu um prémio internacional (FTTH Council) pelo bom desempenho de Portugal nesta matéria e há dezenas de quadros da sua equipa a trabalhar noutras operações do grupo britânico na Europa. O objetivo é partilhar o know how adquirido em Portugal. Tem 500 milhões de euros para investir em dois anos e a rede de fibra vai ficar com a parte de leão. A Vodafone quer ser um operador relevante na convergência e na televisão paga e impedir a criação de um duopólio.
Os operadores deixaram de ser a parte sexy das telecomunicações a favor de fabricantes de telemóveis ou empresas de Internet?
É a evolução natural do negócio. Numa primeira fase, o que era importante era dar às pessoas mais locais onde pudessem usar os serviços de chamadas de voz ou enviar mensagens (SMS). Partíamos do zero e éramos nós os promotores de novos serviços, como voice mail ou Internet. Mesmo ao nível dos equipamentos, eram os operadores quem estava no centro, dizíamos às pessoas que o telemóvel se adequava mais. Com a chegada dos smartphones e da Internet, as estrelas passaram a ser os serviços que os clientes utilizam, isto é, aquilo que é novo. Mas achamos que continuamos a ser sexys para os nossos clientes. Damos algo fundamental para usarem estes serviços: uma excelente rede.
Hoje é mais difícil antecipar as tendências de consumo?
Os ciclos são muito mais rápidos. Nem sempre as aplicações surgem no momento certo. Por exemplo, há uns anos lançámos o serviço Vodafone 360, que acabámos por deixar cair. Era uma clara antecipação do que aí vinha em termos de redes sociais e de webização da mobilidade, que só agora está a acontecer. A nível tecnológico, a expectativa é que com a quarta geração (4G) estejamos num ciclo longo na rede móvel, em que o que domina são os dados e o vídeo. Na rede fixa estamos a assistir à migração para a fibra ótica.
Qual foi o objetivo da vinda recente a Portugal da direção do grupo Vodafone? Reafirmar o investimento de 500 milhões de euros ?
O investimento de 500 milhões de euros já estava decidido e anunciado. A administração quis fazer a reunião fora de Londres e escolheu Portugal por ser um mercado que está a viver intensamente a realidade da convergência e onde estamos a investir em crescimento orgânico de uma forma acelerada e mais avançada face a outras operações. Mais do que reafirmar o investimento, havia aqui uma realidade diferente para verem in loco, como, por exemplo, o nosso serviço de televisão. Felizmente, regressaram com a imagem reforçada e a convicção de que faz sentido investir no país. Além do encontro com o Presidente da República, houve um jantar em que representantes da sociedade portuguesa, nomeadamente empresas e universidades, tiveram oportunidade de conversar com os membros executivos e não executivos do grupo Vodafone. Regressaram muito mais crentes de que Portugal será capaz de ultrapassar as suas próprias dificuldades.
Abre espaço para termos mais centros de competência da Vodafone em Portugal?
Neste momento, temos três centros de competência: Machine to Machine (M2M), OneNet e Gestão de Redes. Naturalmente ganhámos créditos nas disputas que temos em permanência para trazer mais centros de competência para Portugal, porque estiveram em Lisboa membros da comissão executiva e outros dirigentes do grupo Vodafone.
Há alguma disputa a decorrer?
Há uma disputa que tem a ver com a área da fibra ótica, mas é cedo para tirarmos qualquer conclusão. Estamos a procurar vender as nossas capacidades na gestão de clientes na área da rede fixa para outros mercados. É um processo que está numa fase embrionária, porque os outros mercados estão muito atrasados na fibra.
A expansão da rede de fibra está a permitir manter a qualidade de serviço? Tem havido mais queixas?
Estudos independentes indicam que os clientes consideram que a Vodafone tem o serviço com melhor qualidade. O serviço de TV tem potencial para desencadear a insatisfação. Mas é preciso separar a fibra do ADSL (cobre). A maior parte das queixas vem do ADSL, porque dependemos de operadores terceiros e de fatores que temos mais dificuldade em controlar, como a potência da linha. Mas só instalamos ADSL nos clientes quando vemos que há condições mínimas de qualidade. Tivemos um problema pontual no final de janeiro, que foi resolvido com rapidez. A rede de fibra é nossa, com exceção de 200 mil casas, que são da ZON Optimus, portanto não há instabilidade.
Vai ser um dos poucos gestores que irá ter 500 milhões de euros de investimento para gerir…
Espero não ser o único. [Sorrisos] É tão difícil gerir 500 milhões de euros como 100 milhões. Não estamos a criar um projeto de raiz, mas sim a acelerar projetos que estão já em curso. No móvel, iremos acelerar toda a área de modernização de rede (alargamento de UMTS 900, alargamento de LTE). E também estamos a alargar a rede de fibra.
Receia que haja mais algum imposto sobre as telecomunicações, tal como aconteceu na energia?
Já pagamos muitas taxas e não faço comparações com a área da energia. Por princípio, a bem da economia, somos contra a aplicação de impostos especiais. Isto não quer dizer que devamos excluir as telecomunicações do grande esforço nacional. Além dos impostos diretos, já pagamos muito em taxas de regulação (utilização de frequências e do plano de numeração). Essa questão nunca foi colocada oficialmente pelo governo. Se isso acontecer, os nossos acionistas podem repensar se faz sentido continuar a investir. A questão fiscal mexe muito com a competitividade.
O que é mais difícil de gerir: a imprevisibilidade fiscal ou a quebra do poder de compra?
Temos dois níveis de preocupação. A indefinição e a ausência de regulação, que acaba por ser muito importante num momento de forte investimento. E a recuperação da economia, porque traz impactos positivos ao negócio. A quebra de receitas está relacionada com a competitividade do mercado e também com a quebra da economia. Se não houvesse o investimento da Vodafone, caminhava-se para um duopólio.
Já nota sinais de recuperação da economia?
Nos consumidores particulares, a tendência ainda é de quebra. Já no segmento empresarial, o número de serviços contratados está a aumentar, embora ao nível das receitas o efeito ainda seja neutro. Possivelmente, já batemos no fundo.
O mercado irá recuperar este ano?
Ainda vai continuar a cair. Para 2015, é difícil antecipar o que irá acontecer, porque vai depender muito da dinâmica competitiva. Em relação à economia do país, estou moderadamente otimista e acredito que iremos crescer em 2015.
Portugal tem sido um laboratório para a Vodafone?
Já estamos a exportar know how a nível dos recursos humanos, através do apoio que estamos a dar a países onde a aposta no fixo está a fazer-se via aquisição. Estamos a dar apoio na área da convergência. A Irlanda, por exemplo, está a entrar na área fixa através do crescimento orgânico, tal como Portugal. A nossa experiên cia neste campo é importante, e estamos envolvidos nesse projeto. Hoje existe exportação de know how no fixo, como já existiu no passado no móvel. Temos sido um laboratório no bom sentido, fazemos coisas bem cá, que depois exportamos para outros países. Há também centros de competência em Portugal. O caso mais emblemático é o de Gestão de Rede, mas também estamos a fazer projetos na área do Machine to Machine. Temos um conjunto de engenheiros, sediados em Portugal, a produzir algumas coisas para outros mercados, tendo em conta a qualidade dos recursos portugueses e a integração numa operação que do ponto de vista da inovação é um bom exemplo.
Vão exportar o modelo usado no pacote de televisão, Internet e voz que têm no mercado português?
A abordagem em cada um dos países dependerá da infraestrutura existente. Em tecnologia, a questão não passa por pegar num caixote e mudá-lo de um sítio para o outro; é preciso fazer adaptações à realidade de cada país. A nossa oferta está baseada na fibra, mas há países em que é no cabo. Foi com orgulho que ouvimos Vittorio Colao, o presidente executivo do grupo Vodafone, dizer que quando perguntou ao gestor da empresa de cabo que a Vodafone comprou na Alemanha, a Kabel, qual a solução de televisão que estavam a estudar, ele lhe disse que era a da Vodafone Portugal, uma das melhores do mundo. Veremos agora se o nosso know how é ou não adaptável à infraestrutura que existe na Alemanha. Não será, claro, a transposição direta, não é um copy past, será uma adaptação, e haverá também o uso de recursos humanos. Há já uma transposição temporária para a Irlanda.
Em que projetos há quadros lusos a trabalhar lá fora?
Na área da tecnologia, rede e serviços associados à rede já temos várias pessoas da equipa portuguesa a trabalhar noutras operações. Do ponto de vista da rede, a Vodafone está organizada numa ótica regional e há equipas europeias que são chefiadas por pessoas da Vodafone Portugal ou têm integrados trabalhadores da nossa equipa. Temos, por exemplo, várias pessoas a trabalhar na Alemanha na rede móvel, fruto da experiência que tiveram em Portugal e dos bons indicadores de rede que há no nosso país. Em Inglaterra, também há engenheiros portugueses envolvidos num projeto de rede.
Estamos a falar de quantas pessoas?
A trabalhar em projetos globais, estamos a falar de dezenas de pessoas. Na área da engenharia de rede, há mais de uma centena de pessoas, e, dentro dessa, diria que 30% já estarão a trabalhar em projetos noutras operações.
Esse movimento acelerou nos últimos anos?
Acelerou no último ano e meio. Houve alteração ao nível da gestão de redes do grupo: em vez de haver equipas exclusivas para um país, há competências e equipas sediadas em diferentes países que depois atuam em projetos que podem ser no seu país ou não. Um dos fatores de aceleração prende-se com este projeto Spring (investimento em redes no âmbito da transição para o 4G), que em Portugal tem uma forte componente fixa e móvel. Há muito a fazer nestes dois anos, porque há muito investimento que será aplicado nas redes.
Para que países estamos a exportar serviços?
Há serviços de convergência portugueses, como o caso do One Net do mercado empresarial, que já são exportados para o Reino Unido. Há outros países que também podem aplicar esta solução. A convergência é uma tendência, mas não é uma realidade em todas as latitudes. Nalguns países, convergência significa banda larga fixa e móvel e a televisão entra como um pilar à parte, porque os clientes veem essencialmente televisão free to air ou via satélite. A experiência e o know how do mercado português em matéria de convergência faz com que hoje, a nível central, um dos principais responsáveis pelo tópico da convergência no fixo da Vodafone seja um português, o Luís Lopes, que saiu da ZON. É com satisfação que vemos o know how português a ser aplicado na Europa somos líderes nessa matéria.
Há mais algum país a aplicar com sucesso a convergência em que o motor é a televisão?
Este tipo de convergência está especialmente na agenda de Espanha e Portugal, mas mais em Portugal, porque temos a especificidade, face a outros países, de estarmos a crescer de forma orgânica e com investimento em rede. Noutros mercados está a fazer-se por aquisição de ativos, como no caso da Alemanha e de Espanha. Aqui somos um laboratório, porque realmente fazemos quase tudo a partir do zero.
O objetivo da Vodafone é mais comprar do que fazer investimentos de raiz em rede?
Depende das oportunidades e de cada mercado. Num mercado de grande dimensão, se se entender que a convergência é o caminho e que a Vodafone quer ser um player relevante, a forma mais rápida de crescer é de facto adquirir posições, visto que já existem, visto que já estão disponíveis. O custo e o tempo associados a fazer tudo de raiz podem não ser compatíveis com a ambição de ser um player relevante. Num país mais pequeno, como Portugal, e porque as alternativas de concentração no mercado são o que são, a solução passa pelo crescimento orgânico. Já na Alemanha, que praticamente não tem fibra, os económicos dizem que construi-la é complicado, porque é um país grande, com mão de obra cara, e é preciso que haja condutas, uma boa regulação, e por isso a opção foi comprar. Era mais rápido e mais fácil.
Em Portugal, a consolidação já está feita.
Sim, praticamente. É bom recordar que mesmo quando as alternativas existiam já estávamos no mercado, em paralelo, a investir em fibra, para a eventualidade de termos de crescer de forma orgânica. A nossa construção de fibra não começou agora. Em março do ano passado, quando regressámos aceleradamente ao investimento na fibra, já tínhamos 477 mil casas passadas. Num mercado como o português, manter as duas estratégias em paralelo sempre foi uma opção. Em Espanha, onde se comprou agora uma operação de cabo, a Ono, também já se tinha começado a investir em fibra no ano passado; não se pode esperar para que as coisas venham a acontecer.
António Coimbra, ex-presidente da Vodafone Portugal, disse uma vez que economicamente era complicado justificar o investimento em fibra…
Não estou definitivamente em desacordo com o meu antecessor, mas o que acontece é que o projeto tanto é viável que o acionista aceitou os nossos planos de negócio e investimento, subscreveu-os, e o dinheiro está aí para o aplicarmos. Em Portugal, temos cerca de 5,8 milhões de casas e 4,8 milhões de famílias, um investimento em fibra para lá de dois milhões de casas é difícil de justificar. O racional económico do investimento está em 1,5 a 2 milhões de casas; para lá destes números é economicamente injustificável. O problema do investimento é fazê-lo onde ele já existe, foi nesse enquadramento que o António Coimbra fez aquela afirmação, e eu também a defendo. A Alemanha, o nosso principal credor, não tem fibra, e nós vamos ter zonas do país com três redes de nova geração (contando com o cabo), não faz sentido nenhum do ponto de vista do racional económico. Podíamos chegar a mais de dois milhões de casas se não houvesse duplicação de redes, como há neste momento. O país e o consumidor ganhavam.
Perdem dinheiro com o pacote a 24,99 euros?
Não estamos aqui para perder dinheiro. Em telecomunicações, as receitas não podem ser vistas ao detalhe de cada unidade. Temos de entregar ao acionista o retorno de 500 milhões de euros que iremos investir nestes dois anos, e também é preciso não esquecer tudo o que já investimos no passado. Todos os anos fizemos investimentos de 100 milhões de euros, e já andamos aqui há 22 anos.
Quanto é que a Vodafone já investiu em Portugal?
É difícil dar um número, mas o acumulado de investimento é muito significativo. Nos últimos 10 anos temos tido receitas na ordem de mil milhões de euros e o investimento tem sido acima de 10%; basicamente, investimos acima de 100 milhões de euros por ano. Quando tínhamos receitas de 700 milhões a 800 milhões de euros, o investimento era acima dos dois dígitos. Depois há picos. Há três anos investimos na compra de frequências cerca de 136 milhões de euros. Estes dois anos serão de investimento acelerado, em contraciclo com a tendência do setor, que é de decréscimo de investimento. Eles estão a desinvestir e nós estamos a reforçar o investimento.
É uma forma de angariar clientes para ter massa crítica?
Uma empresa como a Vodafone não atua em nicho, e um mercado como o português já é um nicho nas comunicações globais. Temos de ter massa crítica. Na televisão, arrancámos muito mais tarde que a concorrência, tivemos um interregno para a famosa questão da regulação. Tínhamos pouco mais de 40 mil clientes quando decidimos investir num país que tem mais de 3,1 milhões de clientes de televisão paga. Queremos ganhar expressão na rede fixa e ganhar presença na família, porque o mercado, hoje, é convergente.
Os operadores OTT (over the top content), como a Netflix, que já chegou à Europa, serão um fator desestabilizador?
Onde isso se vê mais é nos Estados Unidos, e pode até ser um acelerador da convergência. O que se tem percebido em alguns países é que o vídeo é um fator de desenvolvimento das telecomunicações e está a alterar os hábitos dos consumidores. Está relacionado com o potencial dos smartphones, a riqueza do vídeo e a capacidade de este, num curto espaço de tempo, conseguir transmitir muita informação. O vídeo é a grande pressão do ponto de vista de rede, quer no fixo quer no móvel. Os OTT de vídeo acabam por enriquecer a experiência da convergência. A interatividade está aí e está para ficar. Vejo os OTT como oportunidade, por isso é que estamos a fazer também um investimento significativo no móvel.
Não há resistência dos operadores que acham que os OTT acabam por ir à boleia do vosso investimento?
Nos negócios há sempre um sentido protecionista quando alguém vem desafiar o status quo. É verdade que nós investimos para criar condições para que outros tirem valor, em seu benefício, à nossa cadeia sem investimento. Há a leitura dos OTT, que dizem que fazem com que os clientes utilizem mais comunicação de dados nas nossas redes. Há, na verdade, aqui uma conjugação de interesses. No passado, os operadores pensaram que conseguiriam ficar com a totalidade da cadeia de valor e quiseram retirar espaço de manobra aos OTT, mas o mercado de Internet prova que é quase impossível conseguir controlar a totalidade da cadeia de valor. Há sempre alguém que cria um novo serviço e uma nova solução. O Facebook é um bom exemplo disso. O nosso negócio são as comunicações e a relação com o cliente.
BI
Um homem da casa
Nome Mário Vaz
Função Presidente da Vodafone Portugal desde 2012
Idade 51 anos
Currículo Nasceu em Angola e fixou-se em Portugal em 1975, em pleno período revolucionário. É um homem da casa e fez-se na casa, onde entrou em 1992, quando a Vodafone se chamava Telecel e dava os primeiros passos. Vinte anos que lhe deram um conhecimento profundo da Vodafone e fizeram com que a escolha recaísse sobre ele quando António Coimbra decidiu aceitar o desafio de liderar a Vodafone Espanha. Afável e acolhedor, é licenciado em Direito. Trabalha muitas horas, por isso nos tempos livres o que gosta é da “preguiceira”. Não corre nem pratica desporto, prefere andar a pé. Gosta de “ir à praia, pegar no carro e ir dar uma volta sem destino, ao fim de semana, abrir a mente e desligar”. Ou ler, ver televisão e ir ao cinema.
Este artigo é parte integrante da edição de maio da Revista EXAME