Este é um feliz exemplo de que o discípulo pode sempre superar o mestre. Ricardo Pedro Carvalho tinha 18 anos em 2006 quando deu os primeiros passos no comércio do ouro pela mão do pai, dono da rede de lojas Cais do Ouro. Mas, três anos depois, decidiu arriscar e lançar a sua própria cadeia, explorando um filão cada vez mais apetecível. A severa crise que o país atravessa é, paradoxalmente, o principal fator de prosperidade deste precioso negócio.
A partir de Braga, a Milénio Gold abriu 70 lojas em todo o país, sem recorrer ao franchising, testa o conceito em Espanha e fatura, em 2012, perto de 20 milhões de euros. A rede do pai, Camilo Carvalho, conta apenas com 40 estabelecimentos. “Essa comparação é injusta. O meu pai dedica-se a outros negócios, é colecionador de arte e eu estou focado na compra de ouro”, alega, com modéstia, o jovem empresário.
Ricardo prefere dizer que “filho de peixe sabe nadar”. A estratégia de expansão da Milénio Gold é concertada com a da Cais do Ouro, evitando duplicação de lojas nas mesmas zonas.
No seu estágio com o pai, o aprendiz Ricardo verificara que o modelo comercial devia ser ajustado a uma nova realidade.
Não valia a pena apostar na compra e venda de peças usadas porque a procura estava em queda livre. Só havia pessoas interessadas em vender: anéis, pulseiras, argolas e afins. Eram raras as que apareciam para comprar. O desequilíbrio conduzia a um excedente que comprometia a rentabilidade do negócio. A solução foi abandonar a venda de peças de ouro e focar o negócio na reciclagem de metais preciosos. Um dos fatores virtuosos da Milénio Gold é não se resumir à intermediação. Domina toda a cadeia do negócio. Transforma as peças de ouro em barras finas que vende a empresas especializadas. A maioria das barras destinam-se a investidores europeus, em especial do mercado belga. Mas este é um dos aspetos em que a discrição é fundamental.
Nesta atividade, “às vezes o silêncio é de ouro”, diz Ricardo.
Margem de 2,5 euros por grama
A margem bruta da Milénio é de 2,5 euros por grama de ouro. A empresa paga em média 31 euros por cada grama e vende as barras à cotação internacional, na casa dos 42 euros o grama. Mas, a fundição conduz a perdas de peso de cerca de 20%. Isto é, com 10 gramas faz-se uma barra que pesa oito.
“As margens estão esmagadas, a concorrência é muito forte. A nossa vantagem competitiva está na dimensão que a empresa atingiu”, explica o empresário.
No modelo de compra e venda de peças usadas a margem era mais atrativa. O preço de venda duplicava o da compra.
Mas, os interessados desapareceram ou preferem as ourivesarias tradicionais. O negócio da prata tem uma expressão irrelevante.
O valor de cada grama não passa dos 60 cêntimos.
Réplicas e falsificações
Num sector tão sensível como o do ouro, são vários os riscos que convivem com o negócio.
Burlas e fraudes estão entre as ameaças.
As peças podem resultar de roubos, serem vendidas abusivamente ou serem réplicas ou falsificações. A lei obriga os comerciantes a identificar os vendedores e a imobilizarem as peças pelo menos 20 dias – a Milénio conserva-as durante um mês. Do catálogo de perigos, Ricardo Carvalho descarta o que decorre dos assaltos: “Quem assalta uma ourivesaria terá um circuito paralelo montado, não recorre ao comércio organizado e a lojas com videovigilância”, explica. Mas, a sua cadeia já sofreu com operações ilícitas.
Por exemplo, comprar peças que depois são reclamadas pelo verdadeiro dono. Em geral, “são vendas abusivas no seio de uma família que depois são resolvidas.” O principal risco reside nas falsificações.
Todas as cadeias se defrontam com esta ameaça e a Milénio não é exceção. Os casos mais vulgares são os que envolvem ouro branco, mais fácil de imitar, com contraste falsificado. A peça é uma imitação de aço mas, passa no teste do toque e consegue enganar o avaliador. Noutros casos, a peça é revestida a ouro, com enchimento em cobre. Este tipo de fraudes “está a decair porque os prevaricadores sabem que são descobertos e enviados para Tribunal.” Mas nem sempre é fácil recuperar o dinheiro que se pagou pela peça.
A melhor prevenção “é fornecer formação adequada aos funcionários.” A seleção dos colaboradores da Milénio tem de ser cuidadosa por outro motivo. Ricardo é um patrão ausente, concede autonomia a cada um dos seus 70 lojistas.
Num mercado tão concorrencial como este, como se explica a prosperidade da Milénio? O fundador cita a credibilidade e a confiança como os segredos do sucesso.
São estes dois fatores que “fidelizam os clientes e os levam a recomendar a empresa a amigos.” O seu desempenho financeiro beneficia de “operar sem intermediários, vendendo as barras de ouro fundido e não ter os custos adicionais que as lojas franchisadas suportam.” Pode, por isso, pagar mais aos clientes. A pressão concorrencial “tem até a vantagem de permitir comparar preços e levar os vendedores a escolherem quem remunera melhor.”
100 lojas em 2013
Desde que a Milénio Gold nasceu, em 2009, o universo das lojas de ouro na Zona Norte triplicou – hoje são mais de duas mil.
“No futuro não haverá espaço para todas as cadeias e sobreviverão as mais fortes e organizadas. A solução poderá residir no regresso à venda de peças usadas”, refere Ricardo Carvalho.
Apesar do esperado declínio do mercado, a Milénio Gold não está confortável com a atual dimensão e tem um plano para chegar às 100 lojas até ao final de 2013. Na sua curta existência abriu sempre mais de 20 novas lojas por ano. A prioridade atual é reforçar a cobertura da Zona Sul do país. Dois terços dos 70 estabelecimentos situam-se a norte de Coimbra. Porto (6), Lisboa (4) e Braga (3) são as cidades com mais lojas.
Mas, para atingir a cifra invejável das cem unidades, o fundador da Milénio conta com o impulso espanhol. Quando escolheu a marca, Ricardo optara por uma designação que facilitasse a internacionalização.
Por enquanto, o seu horizonte alcança apenas a vizinha Espanha, depois de ter inaugurado uma loja na Galiza (Tui) e outra na Cantábria (Santander).
Em 2013, conta abrir até 15 lojas nestas duas regiões espanholas. O ataque a Madrid ficará para um segundo fôlego. A experiência galega é a que corre melhor e justifica que a prioridade favoreça localidades junto à fronteira. O empresário acredita que o mercado espanhol apresenta, neste momento, um maior potencial de crescimento. A recessão em Espanha “está numa fase mais atrasada e não atingiu a violência de Portugal”, explica.
Quando entrou neste negócio, o empresário verificava que, em geral, os clientes (90% são mulheres) desfaziam-se das peças por capricho ou desencanto. Já não apreciavam as joias, estavam cansados de as usar, já não lhes reconheciam utilidade ou para realizar liquidez circunstancial.
Nessa altura, os clientes eram em maior número, mas o preço médio de cada operação mais baixo. A realidade, entretanto, mudou. Atualmente, o principal impulso de venda “é a absoluta necessidade de dinheiro”.
E desfazem-se “de todo o stock de ouro, muitas vezes na família há várias gerações.” Ricardo Carvalho nota uma outra mudança, de carácter geográfico. Tradicionalmente, o Norte era a região do país com maior aptidão para este ramo do comércio.
O negócio adquiriu agora um modo uniforme, sem discrepâncias regionais. Se a Milénio organizasse um campeonato entre as suas 70 lojas, em cada mês havia um líder diferente.
Um sector em transformação
O ouro está no prato certo da balança comercial, combatendo o défice externo de Portugal. A Milénio Gold é um exemplo da vocação exportadora que se tem acentuado nos últimos anos. No 1º semestre de 2012, o sector exportou 382 milhões de euros, um crescimento de 83% face a 2011. Em 2007, o valor comparável foi de 2,9 milhões. As vendas estão concentradas em mercados como a Bélgica (55%), Itália (25%) e Espanha (16%).
A tentação do ouro levou à proliferação de redes de franchising que mudaram a face comercial das principais cidades. No Porto ou em Lisboa há ruas que acolhem várias lojas concorrentes. Num segundo momento, as cadeias mais fortes, como a Valores ou a Ourinvest, avançaram para os centros comerciais. Em 2008, havia 3450 retalhistas de ourivesaria registados. Agora, são mais de 6700.
Mas, nem tudo o que reluz é ouro. E, passado o vendaval de euforia, o sector sofre com o excesso de oferta de lojas.
Este artigo é parte integrante da edição 345 da Revista EXAME