
“Bem ou mal, o plástico tornou-se uma forma de estarmos na sociedade. Nenhum de nós pode conceber, hoje, viver sem plástico. O que devemos pensar é o que tem de ser feito para melhorar a nossa vida com o plástico”. Foi desta forma que Filipe de Botton, CEO da Logoplaste, deu início ao debate do painel “As empresas num contexto de economia circular”, integrado nas conferências ESG Talks, uma iniciativa promovida pelo Novobanco, com organização da VISÃO e da EXAME, que decorreram no dia 9, na Nova SBE.
Na sua opinião, são os plásticos que “nos permitem ser quem somos e ter a qualidade de vida que temos. O que há a fazer é largar este greenwash, que neste caso é mais um brainwash, em relação aos plásticos e pensar que o que é necessário fazer é cooperar em toda a cadeia de valor. Há lugar para tudo, vidro plástico, cartão, etc, cada qual com a sua função”.
Para o empresário, o que é necessário é definir critérios objetivos para saber o que realmente é mais poluente. E dá um exemplo: “porque é que temos de ter água em garrafas de vidro em vez de outra embalagem reciclável? Só para ser lavada, uma garrafa de vidro gasta cinco vezes a água que irá depois estar dentro dela. E a água é hoje um dos recursos mais escassos na natureza”.
“Há pequenas coisas que a sociedade não está preparada para fazer. A roupa é a principal causa dos microplásticos que existem nos oceanos, mas ninguém vai deixar de se vestir”, justifica.
Filipe de Botton defende que este é um tema que exige honestidade, transparência e cooperação entre todos, desde o governo, que “não tem de intervir, mas tem de regular”, dos consumidores, “a quem é necessário dar estímulos para os educar nestas matérias”, e a indústria. “E isso não existe”, garante.
Em matéria de plásticos e uso de embalagens, Vítor Martins, Area Leader Sustainability da Sonae MC, admite que esta é uma grande preocupação dos portugueses.
“Nós ouvimos muito os clientes e sabemos que as principais preocupações centram-se atualmente nas alterações climáticas e nas embalagens por causa desta onda anti-plástico. E retirar isto do cliente não vai ser fácil. O plástico é fantástico, mas é preciso usá-lo corretamente”, salienta.
No entanto, o gestor garante que a Sonae mantém um plano apertado de redução da utilização de materiais menos sustentáveis e dá como exemplo “algumas medidas que não são vistas pelas pessoas”, como o facto de “98% da operação de todos os nossos talhos é feita com recipientes reutilizáveis. No peixe atingimos os 70% e nas frutas e legumes já estamos acima dos 50%”.
Vítor Martins diz ainda que têm atuado sobre os desperdícios e realça um conjunto de iniciativas para escoar os produtos que estão próximos de atingir o prazo de validade. “Já atingimos mais de 200 toneladas de alimentos com o programa da caixa de 5kg que é vendida por dois euros e meio”, refere.
Regra geral, os bens produzidos de forma sustentável têm um preço mais elevado que os seus concorrentes não biológicos. Mas será que o cliente está disposto a pagar mais para ter produtos que respeitem a economia circular? “Para o cliente o fator mais importante na decisão de compra continua a ser o peso que cada produto tem no seu bolso”, esclarece
O gestor explica que, para à Sonae compete, “desenvolver e disponibilizar produtos que sejam sustentáveis e que possam estar no mercado a preços normais”, que não tragam com eles uma espécie de sobretaxa de sustentabilidade.
“Temos desenvolvido trabalhos diretamente com os produtores para que estes possam produzir de forma sustentável com preços razoáveis. E explicamos que a pegada carbónica representa euros porque é de energia que falamos. E se conseguirem produzir o mesmo quilo de tomate com menos carbono quer dizer que vai poupar dinheiro”.
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Do fóssil para o bio
Depois desta entrada mais ou menos controversa com os plásticos, foi a vez de Diogo da Silveira, chairman da Floene, explicar que a ligação do mundo da reciclagem com o da energia é “uma relação de amor/ódio”, mas que existe neste momento “um conjunto de oportunidades” no gás renovável que permite uma reciclagem deste bem com um grande valor acrescentado.
“Estamos a assistir a uma revolução neste setor idêntica à que aconteceu quando passamos da Web 2.0 para a Web 3.0, ou seja passar de um mundo centralizado para um mundo descentralizado, com todas as consequência que isso tem”, afirmou.
Para justificar esta comparação, Diogo da Silveira explicou que “atualmente, o gás natural chega-nos por dois pontos: o liquefeito por Sines e o gasoduto por Espanha. Amanhã, através da produção de hidrogénio e de biometano haverá em Portugal centenas de pontos de produção de gás renovável que irão ser injetados nas redes e distribuídos pelos clientes”, justifica.
As redes da Floene, por exemplo, estão preparadas para distribuir e abastecer o País com vários tipos de gás. E há dois que provêm da reciclagem, o biometano que é produzido a partir de quase todo o tipo de resíduos, desde os urbanos aos industriais, passando pelos agrícolas, e o metano sintético que é produto de uma reciclagem ao qual se junta hidrogénio e CO2.
“Neste momento temos 69 pedidos de injeção na rede de gases renováveis, 58 de hidrogénio e 11 de biometano. Em França, na rede da GRDF, por cada semana que passa temos três produtores de biometano a ligarem-se à rede. Vai ser uma verdadeira revolução”, garante.
Se Diogo da Silveira mostrou como o setor do gás iniciou o seu processo de transição para a descarbonização, Ricardo Emílio, diretor-geral da Dourogás, foi ainda mais longe e garantiu que esta transição foi uma espécie de salvação da empresa no longo prazo.
“Os princípios da economia circular transformaram a Dourogás. No ano passado nós eramos uma empresa gasista e hoje somos uma empresa de gases renováveis”, garantiu.
A Dourogás é detentora de várias concessões de redes de abastecimento de gás natural no Norte e Litoral Norte e tem a maior rede de postos de abastecimento de gás no País. “Num determinado momento, num setor carbónico como o nosso, tivemos de olhar para a frente e perceber se iríamos ter futuro. O passo a dar era descarbonizar o setor do gás natural e em simultâneo valorizar os nossos ativos senão dentro de quinze ou vinte anos teríamos de fechar as portas”.
Foi há cerca de dez anos que a Dourogás começou a usar gás dos resíduos urbanos. “Na altura disseram-nos que estávamos doidos, mas conseguimos purificar esse gás e ficar com um gás que tecnicamente é muito semelhante ao gás natural”, garantiu.
Esse gás começou a ser usado nos camiões de recolha de lixo, ou seja, estava dado o início da descarbonização da empresa. “No entretanto, começamos a ser produtores de biometano. Hoje há veículos de transporte de vários produtos que usam o nosso biometano”, afirmou Ricardo Emílio. Mais tarde tiveram a intenção de descarbonizar as redes e começaram a injetar o biometano no abastecimento de gás às famílias e à indústria.
“Hoje os nossos ativos são competitivos para o futuro. Com o tempo iremos de deixar de veícular gás natural nas redes substituindo-o por gases renováveis, ,desde o biometano ao hidrogénio”, concluiu.

Efeito catalisador
“Sabemos que a economia circular depende muito da integração das empresas na cadeia de valor e um dos papéis mais desafiantes que o Novobanco tem para o futuro será o de poder funcionar como um catalisador para os nossos clientes, sobretudo as pequenas e médias para que estas possam funcionar em ecossistema”, diz Inês Soares, head of ESG office do Novobanco.
Para a gestora bancária, nesta transição muitas das pequenas empresas não têm os mesmos meios que as outras para conseguirem identificar oportunidades e parcerias que possam ajudá-las a singrar neste novo modelo empresarial e “o banco pode dar essa oportunidade de as integrar nas cadeias de valor”.
Mas a contribuição da banca não se esgota aí. Inês Soares explica que estão a ser desenvolvidos produtos financeiros que embora já integrem alguns destes princípios, podem ser aprofundados em matéria de economia circular, como é o caso do leasing.
“Estamos também a desenvolver produtos financeiros que encorajem a economia da partilha. E há muito para inovar neste setor”, afirma.
Por fim, a gestora diz justifica que na Europa, e em Portugal em particular, “temos metas de descarbonização e neutralidade carbónica que não vão ser atingidas apenas pela transição energética. Muitos outros processos inovadores de economia circular vão ter de contribuir para as atingir. E esses projetos vão precisar de financiamento e aí o banco terá um papel importante”.