Nos últimos anos tem-se assistido a um aumento da pressão sobre os recursos hídricos a nível mundial, decorrente do aumento populacional e consequente crescente consumo de água nomeadamente para o abastecimento público, a produção agrícola e pecuária e a produção industrial, entre outros.
Um relatório recente da Agência Europeia do Ambiente refere que 30% da população europeia e 20% do território europeu são afetados pelo stresse hídrico e que esta situação se irá agudizar à medida que as alterações climáticas vão gradualmente provocando um aumento da frequência, intensidade e duração das secas.
A conjugação de elevadas necessidades hídricas com períodos de precipitação diminuta ou ausente e elevada evapotranspiração, poderá provocar situações de insuficiência de água para os diversos fins requeridos pela sociedade. E a segurança hídrica assume-se, assim, como um dos grandes desafios desta década.
Água reciclada: uma abordagem sustentável
Neste quadro, impõe-se uma abordagem integrada na gestão dos recursos hídricos disponíveis, um esforço maior na utilização eficiente da água, mais colaboração e articulação entre os setores utilizadores e um foco mais intenso na resiliência dos sistemas e na mobilização de origens de água não convencionais. Exemplos disso são a dessalinização e a ApR – Água para Reutilização (água reciclada a partir de águas residuais tratadas nas Fábricas de Água – ETAR).
A água reciclada contribui para o uso eficiente dos recursos, para o desenvolvimentos dos territórios e para a sustentabilidade do planeta.
A reutilização constitui uma origem alternativa que contribui para o uso sustentável dos recursos hídricos, na medida em que permite salvaguardar este capital natural para fins prioritários como o consumo humano, em linha com os princípios da economia circular.
Uma abordagem integrada que promova o equilíbrio entre a oferta e a procura e o uso mais eficiente da água é fundamental para garantir um futuro hídrico seguro e sustentável para as gerações futuras.
Em Portugal, a utilização de água reciclada deve ser encarada como uma oportunidade não só para viabilizar a expansão de alguns projetos fortemente dependentes de disponibilidades hídricas, minimizar os efeitos de secas e escassez, como também para melhorar o estado do ambiente.
A água reciclada contribui, assim, para a economia circular, a eficiência do setor da água e a sustentabilidade do planeta.
A água reciclada é segura?
A água residual, desde que seja tratada a um nível compatível com os usos a que se destina, é segura e não constitui um risco para a saúde, pública e humana, e/ou ambiente, podendo ser reutilizada múltiplas vezes para esse mesmo fim.
Mais de 90% da população inquirida está predisposta a aceitar água reciclada em utilizações não potáveis
A reutilização da água envolve o tratamento adequado das águas residuais, garantindo que a água reciclada cumpre os padrões de qualidade exigidos para cada uso compatível, de que são exemplo a irrigação agrícola, a lavagem de ruas e de equipamentos, a rega de jardins e de campos de golfe ou a utilização em processos industriais.
A qualidade da água reciclada é monitorizada regularmente para garantir a conformidade com elevados padrões de segurança. De acordo com o estudo “Atitudes e Comportamentos dos Portugueses face à Água”, centrado no envolvimento dos inquiridos com a água, nos seus comportamentos de utilização e na recetividade à ações de sensibilização para usos eficientes mais de 90% da população inquirida está predisposta a aceitar água reciclada em utilizações não potáveis.
Exemplos de utilização de água reciclada em Portugal
- Lavagens de ruas e veículos
- Rega de jardins e espaços verdes
- Rega de campos de golfe
- Utilização agrícola
- Suporte de ecossistemas naturais
- Climatização de espaços comerciais
- Usos em processos industriais
Água reciclada: 5 casos de sucesso
VIRA: Uma cerveja produzida com água reciclada para virar mentalidades
O projeto VIRA, criado pela Águas do Tejo Atlântico pretende contribuir para mudar mentalidades e atitudes.
A VIRA é uma cerveja artesanal fabricada a partir de água+, ou seja, água reciclada. O processo do seu fabrico é realizado através de um tratamento complementar de ozonização e osmose inversa que garante a sua total segurança.
Este projeto já foi distinguido a nível nacional e internacional. A VIRA venceu o Water Reuse Europe 2021 Innovation Prize, galardão que tem como objetivo premiar projetos que estão a inovar na reutilização de água na Europa e foi distinguida pela APCE – Associação Portuguesa de Comunicação Empresarial em 2020, nos Grandes Prémios APCE 2020, na categoria “Surpreenda-nos”.
Parque das Nações com rega sustentável
Na zona norte do Parque das Nações, em Lisboa, a rega de jardins tem sido realizada utilizando água reciclada. Esta iniciativa faz parte do projeto “Parques e Jardins de Lisboa – o mesmo verde, a água é outra”, da Águas do Tejo Atlântico e da Câmara Municipal de Lisboa.
Para preservar os recursos hídricos e promover a sustentabilidade ambiental, o uso de água reciclada produzida na Fábrica de Água de Beirolas, da Águas do Tejo Atlântico, na rega das áreas verdes da zona norte do Parque das Nações (295.000 m2) tem-se mostrado uma prática eficiente e consciente.
Este é um exemplo inspirador para outras áreas urbanas, mostrando que é possível conciliar a beleza dos espaços verdes com a preservação dos recursos hídricos através da reutilização da água.
A sua importância foi já reconhecida internacionalmente dado que este projeto foi vencedor dos Water Europe Awards 2023, na categoria “Prémio de Tecnologia e Infraestruturas de Água”. Foi ainda finalista do “Web Global 2022 Awards” na categoria “Inovação na Circularidade da Água” e distinguido com uma menção honrosa na categoria “Água e Cidades Sustentáveis” na edição de 2022 dos Prémios VERDES Visão + Águas de Portugal.
REUSE: produção inovadora de água para reutilização na agricultura
O REUSE foi um projeto de investigação & desenvolvimento que visou promover a economia circular e a utilização de água reciclada na rega agrícola no Alentejo através do recurso a tecnologias ambientalmente sustentáveis e de baixo custo, mas também pela criação de conhecimento e desenvolvimento de ações de comunicação sobre a reutilização de água.
O piloto de demonstração do projeto, instalado na ETAR de Beja, consistiu num sistema de produção de ApR através da desinfeção solar das águas residuais tratadas na ETAR, para utilização, por um agricultor da região, na rega de um pomar de romãzeiras.
Ao reutilizar a água tratada para a irrigação agrícola, o projeto “Reuse” procurou reduzir a dependência dos recursos hídricos naturais, especialmente em regiões onde a água é escassa. Isso contribuiu para a preservação dos aquíferos e rios locais, além de garantir um suprimento estável de água para a agricultura.
Além dos benefícios ambientais, a utilização de água reciclada no setor agrícola traz vantagens económicas, uma vez que os agricultores podem reduzir seus custos com água e melhorar a eficiência no uso dos recursos. Também promove a sustentabilidade agrícola, permitindo o cultivo de alimentos de forma mais responsável e resiliente.
O REUSE foi financiado pelo Fundo Ambiental e resultou de uma parceria entre a Águas de Portugal, AgdA – Águas Públicas do Alentejo, EDIA – Empresa de Desenvolvimento e Infra-estruturas do Alqueva, ISA – Instituto Superior de Agronomia, EFACEC e Centro Operativo e de Tecnologia de Regadio (COTR).
Rega de Campos de Golfe no Algarve – Salgados Golf Course
A utilização de água reciclada na rega de campos de golfe permite importantes ganhos ambientais e económicos e encontramos na região algarvia um caso de sucesso: desde 1994, o Salgados Golf Course, do grupo NAU Hotels & Resort, rega a totalidade do campo com água reciclada produzida em Estações de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) da Águas do Algarve.
O Salgados Golf Course está situado num ecossistema natural de uma riqueza ímpar ao nível da fauna e flora, junto à praia dos Salgados e à Lagoa dos Salgados, que alberga espécies protegidas. O campo de golfe localiza-se numa zona onde não existem fontes de água doce alternativas, pelo que o uso da ApR foi a solução encontrada para fazer face às necessidades hídricas para rega.
A ETAR de Albufeira Poente, em funcionamento desde 2009, é uma infraestrutura robusta, que possui elevada fiabilidade e flexibilidade, produzindo um efluente tratado de elevada qualidade, aos mais diversos níveis (orgânico, nutrientes e microbiológico), o que potencia a sua utilização em usos compatíveis.
Não só produz água reciclada para a rega dos campos de golfe como o efluente tratado é usado para reforço do importante ecossistema da Lagoa dos Salgados, proporcionando a fixação de aves na lagoa, tanto aquáticas como terrestres, bem como o aumento e fixação da flora e fauna nesta que é uma das zonas húmidas com maior interesse ornitológico do Algarve.
Este é um exemplo de transformação das dificuldades, associadas à escassez de água, em oportunidades, concretizadas com estas parceria entre setores, com vantagens a longo prazo, quer económicas como ambientais. Ao utilizar água reciclada, o Salgados Golf Course diminuiu as suas pegadas hídrica e carbónica – a implementação deste modelo já permitiu poupar cerca de 11.200.000 m3 de água ao longo dos anos, cerca de 400.000 m3 por ano e, consequentemente, reduzir as emissões de Gases com Efeito de Estufa da sua atividade.
Projeto de I&D para produção de água reciclada para a indústria alimentar
No âmbito do projeto europeu B-WaterSmart, a Águas do Tejo Atlântico está a estudar a utilização de tecnologias de tratamento avançado para a produção de água de qualidade alimentar/industrial a partir de água residual tratada, em parceria com o Laboratório Nacional de Engenharia Civil e a Moinhos Água e Ambiente. Esta demonstração está a decorrer na Fábrica de Água de Beirolas, onde está instalado um piloto contentorizado que inclui ozonização e osmose inversa. Este contentor tem a particularidade de ser revestido a cortiça e ter acoplados painéis fotovoltaicos para autoconsumo.
Neste estudo pretende-se analisar a possibilidade de usar diferentes qualidades de água residual para a produção de água compatível com usos potáveis. Para tal está se a realizar uma extensa monitorização da qualidade da água, que inclui, para além da habitual caracterização físico-química e microbiológica, compostos emergentes, como é o exemplo das hormonas e outros compostos farmacêuticos, PFAS, vírus e subprodutos do tratamento.