Ora deixem-me ir ali buscar um poeta para falar de futebol. E não se está a falar dos que disparam as piruetas verbais de “futebolês” aos microfones: ”lances de bola parada”, “grandes frangos” ou, minerando nos confins do online, pérolas extravagantes como a do jogador que não chutou “com o pé com que sobe para o elétrico” (atribuída ao comentador Bernardino Barros). Abra-se um O’Neill, Alexandre de primeiro nome, ponta de lança do campeonato literário: “O que perde o futebol não é o jogo propriamente dito, mas todo o barulho que se faz à volta dele. É impossível a gente alhear-se do futebol, falado, comentado, transmitido, relatado, visto, ouvido, apostado, gritado, uivado, ladrado, festejado, bebido. O futebol passa deste modo a ser uma chateação permanente. É que não há tasca, pastelaria, salão de jogos, barbearia, recanto de jardim público, quiosque, bomba de gasolina, restaurante, Assembleia da República, supermercado, hipermercado, livraria, loja, montra, escritório, colégio, oficina, fábrica, habitação, diria até, onde, de algum modo, não se ouça falar do jogo que decorre, decorreu ou decorrerá.” Esta ruminação do autor português encontra-se, por exemplo, no meio campo do livro Já cá não está quem falou (Assírio & Alvim, 2008), e contém ainda um último remate ao poste: “Enfim, o País fica futebol. É grave? Não é grave? Sei lá. Verifico, apenas, que é assim por toda a parte. E isso massacra, desgosta, faz perder a razoabilidade, a isenção, o bom senso, a simples tineta.”
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