Na minha cabeça, esta newsletter estava para ser outra coisa. Havia fundadas expectativas de o Benfica vencer ontem à noite o Sporting, e assim sagrar-se campeão nacional na época de 2022/2033. Seria a altura de eu citar Aristóteles, que na Grécia Antiga dizia que a música e os concertos de grupo tinham um efeito de catarse na alma, capaz de expulsar substâncias nocivas ao corpo. Hoje, cientistas e psicólogos acreditam que, em muitas sociedades onde é o desporto-rei, o futebol cumpre esta função quase higiénica. As pessoas vivem elevados níveis de restrição emocional e por isso o futebol funciona como a quebra da rotina, um extravasamento das emoções recalcadas pela sociedade. Serve como válvula de escape, limpeza da alma. Foi esta a conclusão de um estudo estruturante, levado a cabo em 1986 por Elias & Dunning, e até hoje permanentemente citado sobre a psique dos fãs.
Seria pois hoje o dia certo para recordar o mítico relato de António Lobo Antunes sobre a guerra colonial em Angola. “Havia coisas extraordinárias. Quando o Benfica jogava, púnhamos os altifalantes virados para a mata e, assim, não havia ataques”, descreveu o escritor. Sim, a guerra parava. “Até o MPLA era do Benfica. Era uma sensação ainda mais estranha porque não faz sentido estarmos zangados com pessoas que são do mesmo clube que nós. O Benfica foi, de facto, o melhor protetor da guerra. E nada disto acontecia com os jogos do Porto e do Sporting, coisa que aborrecia o capitão e alguns alferes mais bem nascidos. Eu até percebo que se dispare contra um sócio do Porto, mas agora contra um do Benfica?”, disse à revista Visão.