Várias publicações partilhadas nas redes sociais têm difundido a ideia que a proteína spike, que o nosso corpo produz como parte do processo de construção de imunidade espoletado pelas vacinas de mRNA, seria tóxica para as células do organismo, podendo danificá-las ou mesmo matá-las.
Entretanto removidas pelo Facebook e pelo Instagram, por terem sido consideradas veículos de informação falsa, as publicações direcionavam os leitores para um vídeo que defende a mesma tese e que ainda se encontra no Youtube.
Ao longo de 15 minutos, três indivíduos debatem a vacina contra a Covid-19 e referem-se repetidamente à proteína spike como “muito perigosa” e “citotóxica” (nome dado à toxicidade quando falamos num contexto celular).
“Há uma série de especulações sobre se o facto de a proteína spike ter um recetor que se liga a uma das nossas moléculas terá efeitos citotóxicos sobre as nossas células, mas eu não vi qualquer estudo convincente que apontasse nesse sentido”, diz o imunologista da Fundação Champalimaud Thiago Carvalho.
De facto, a evidência parece apontar precisamente no sentido oposto. O presidente da Sociedade Portuguesa de Virologia Paulo Paixão refere que, inclusive, nos estudos que analisaram a imunidade celular (criada pelas células de memória T e mais duradoura relativamente aos anticorpos) “nunca houve qualquer evidência de que houvesse alguma resposta imunológica anormal nem in vitro (laboratório) nem in vivo (experiência de vacinação)”.
Também o imunologista do Instituto de Medicina Molecular (iMM) Luís Graça refere que “a proteína spike, em si, não tem características citotóxicas”.
Miguel Prudêncio, investigador principal do iMM refere ainda que “o material que é injetado vai ser processado por células próximas da zona onde a administração da vacina é feita, a proteína é produzida nessa mesma zona e fica, na sua vastíssima maioria, agarrada a membranas de células dessa zona”.
Ou seja, na sua maioria nem anda a circular pelo corpo e “a quantidade ínfima que pode ficar no sangue não tem qualquer toxicidade associada, além de ser eliminada por enzimas do fígado ao fim de poucos dias”.
Há células a morrer? Sim, mas são as que produziram a proteína spike
“É evidente que o fenómeno inicial de resposta às vacinas implica a destruição de algumas células, mas isso é o processo imunológico normal”, diz Paulo Paixão.
O que acontece quando somos vacinados, com qualquer vacina para qualquer doença, sublinha o virologista, é que o corpo desenvolve dois tipos de resposta. Por um lado, explica Luís Graça, produzimos anticorpos e, por outro, imunidade celular que “origina a produção de células que têm capacidade de matar células infetadas”com o antigénio ao qual a vacina reage.
No caso das vacinas de mRNA contra a Covid-19, esse antigénio é a proteína spike do coronavírus, mas Miguel Prudêncio sublinha que ela não é injetada no organismo. É-nos dada sim uma espécie de “receita genética” para que as nossas células aprendam a fabricar a proteína.
Depois, as células nas quais esta receita entra e espoleta a produção da proteína, que fica à sua superfície, serão, logicamente, mortas pelos anticorpos e pelas células de memória T, produzidos como forma de o corpo aprender a defender-se.
“É o processo normal, quer dizer que o corpo reconhece o antigénio e destrói as células onde ele está presente”, explica Paulo Paixão, sublinhando que é também esta a razão de alguns efeitos secundários, como a febre ou cansaço, que certas pessoas sentem nos dias imediatamente após terem sido vacinadas.
A produção de proteína spike é limitada
Este processo de destruição celular, que ocorre como parte da construção da imunidade, “é limitado no tempo” e, a certa altura, termina, “porque o estímulo não é continuado”, explica Paulo Paixão.
Até porque, como indica Luís Graça, “o objetivo é fazer com que se formem células e anticorpos específicos para esta proteína e depois ela desaparece”.
Um estudo da Infectious Diseases Society of America refere que 14 dias após a primeira dose de vacina, a proteína spike era já indetetável no plasma sanguíneo dos vacinados, enquanto que, após a segunda dose, nem foi detetada.
Conclusão
FALSO. Não existe qualquer tipo de evidência que indique que a proteína spike produzida nas nossas células após termos sido vacinados com uma vacina de mRNA (Pfizer ou Moderna) é tóxica ou mata células no nosso organismo.
Acontece precisamente o contrário: os anticorpos e as células T da imunidade celular que construímos irão matar as células que apresentarem a proteína à superfície e guardar a informação que aprenderam para o caso de, um dia, serem infetados pelo SARS-CoV-2.
Além disso, as vacinas de mRNA não injetam proteína spike no nosso corpo, mas sim instruções sobre como produzi-la. Esta é produzida, na sua grande maioria, junto do local da injeção e cerca de 14 dias após a primeira dose desaparece.
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