Conheci um homem que me fez voltar a sentir desperta para o amor. Desde que fui “trocada por outra”, com metade da minha idade, passei a desconfiar do sexo oposto e não dei continuidade a situações que até me atraiam, no pós divórcio.
Agora, que estou à chegar aos 60 e o luto do meu passado amoroso está feito, tenho vontade de desfrutar da minha “segunda vida”, mas não está a ser fácil.
Embora me sinta bem na minha pele, fico incomodada com as partes do meu corpo que já estão flácidas. Não suporto a luz acesa, desculpo-me com o ambiente romântico, mas é mentira. A exposição da nudez nos momentos de intimidade constrange-me e não consigo descontrair. Ele diz que me ama, que me deseja. E procura desdramatizar, diz até que somos da geração dos naturistas…
Mas até dele começo a duvidar. Acho que o meu corpo não me deixa amar. Isto é doença?
Manuela
Agradeço a sua questão, mais comum do que se pensa e transversal a todas as idades, como mostram estudos recentes. Ser “trocada”, como objecto de amor, e ter de viver com a memória rejeição. Com a perda do lugar que a Manuela via como “seu”, no coração daquele homem que hoje é o seu ex.
O corpo é uma fonte de memórias que despertam, na hora H, com todos os sentimentos associados à vivência prévia. É indiferente, ou aparente, a justificação “inventada” para camuflar esse facto. Se a outra tem mais ou menos anos. Se tem outra cor de pele, nacionalidade, mobilidade reduzida, obesidade. Se é casada ou de outro sexo. É simplesmente humano. De um ponto de vista racional, a experiencia de um novo amor não é aquela que viveu no passado, mas emocionalmente não é assim.
Ao ficar híper consciente do seu corpo, com toda a atenção focada nele, acaba por não sobrar espaço para a espontaneidade e o prazer. Esse entrave na vossa intimidade tem mais a ver consigo do que com ele, mas não é doença. Antes, o seu “espelho interno”, que pode precisar de revisão. Os fantasmas que temos dificuldade em admitir ou pensar (insegurança, vergonha, fragilidade ou outra “falha” qualquer) acabam por ser canalizados para o corpo, que é matéria palpável. Mas não a substância, ou o cerne da questão.
Esconder-se e apontar defeitos à sua imagem não tem a ver com a lei do desejo e a competência para amar. O que sugere é a presença de uma “voz carrasco”, condenadora, pronta a desqualificar e a desvalorizar. Esse sabotador interno tem raízes que só a Manuela conhece, à luz da sua história pessoal. O segredo está em correr o risco e abrir-se ao que realmente a desperta, com o que estiver a sentir à mistura.
O companheiro, sintonizado na luz da vossa ligação, pode ter um papel reparador nas eventuais feridas que ensombram o seu desejo e capacidade de entrega. A repetição de uma boa experiência emocional esbate o efeito daquela que se memorizou como fracasso, pelas alterações químicas produzidas no cérebro (modificando a memória e o sentimento de si). Mais: o efeito regenerador poderá surpreende-la de forma mais substancial (e nutritiva) do que o contributo das melhores marcas de cosméticos e tratamentos de rejuvenescimento físico. Procure uma consulta de psicologia clinica, se o problema persistir.
Clara Soares, jornalista, psicóloga e autora do blog Psicologia Clara