Sou um homem de meia-idade e estou divorciado há um ano. O rompimento teve a ver com uma paixão antiga que voltei a encontrar, no meio profissional. Fomos amantes durante algum tempo e a minha ex descobriu. Achei que estava na altura certa para, finalmente, agarrar a oportunidade de um novo relacionamento.
O problema é que ela diz que já não é a mesma coisa, que não está preparada para deixar o casamento dela, mesmo que não a preencha. Justifica-se com o facto de ter um filho adolescente e está convencida que ele não está preparado para lidar com a separação. Eu quero fazê-la acreditar que somos o casal certo. Já o éramos, nos tempos da faculdade, mas achávamos que tínhamos o mundo pela frente e que era cedo para compromissos. Não compreendo porque é que ela tem estes medos e também não me satisfazem os encontros clandestinos, que agora parecem ter perdido a chama. Pode ajudar-me?
Há alturas na vida em que, por mais que custe, é preciso deixar ir. Quando se chega ao meio da vida, as decisões que se tomam assumem outro peso, na medida em que se avaliam os prós e os contras, sem a mesma leveza que marca os anos de juventude. Nem sempre é assim, mas a bagagem acumulada tanto pode ser o motor de arranque que faltava antes para agarrar uma oportunidade e/ou consolidar um projecto de vida, como funcionar como entrave para assumir riscos (e as consequências dos mesmos, já que uma escolha envolve sempre a renuncia a alguma coisa, que tem uma função qualquer, embora só no ato de decidir ela se torne clara).
Como seria se a sua ex não tivesse descoberto? Ou melhor, será que essa situação, aparentemente acidental, foi despoletada por si, ainda que de forma não consciente? Sair de uma situação, “empurrado” por ela (que assumiu a decisão do fim) tê-lo-á feito sentir mais confiante para “saltar” de um registo para outro, sem atender a pistas prévias? Se fosse ao contrário – a sua paixão antiga sair da relação existente e, porventura insatisfatória, e pedir-lhe a si para deixar tudo e viver com ela – daria esse passo?
Se estas questões não foram abordadas em tempo útil, ou seja, quando eram amantes, tendo cada um a sua “vidinha” organizada, tudo se complica agora, que a relação de forças é desigual. A sua expectativa de um começar de novo num projecto de vida a dois, a meio da vida, por mais aliciante e legitima que seja, não é, necessariamente, a dela, pelos dados que refere. Esta fase constitui um momento de verdade e um teste acerca da função que cada um desempenha na vida do outro. Nessa medida, há que aceitar as evidências, sem a tentação de “fazer pelos dois”.
Se este meio-termo não lhe serve agora – embora tenha sido nesse registo que se mantiveram, há pelo menos mais de um ano – talvez esteja na hora de enfrentar com honestidade o significado que os encontros têm para ambos. Para si, no caso. Pode encarar esta experiência como um fracasso, mas certamente é uma oportunidade, na medida em que se encontra livre – preparado, talvez ainda não, se vier a optar pelo “luto” dessa paixão – para voltar a amar, num registo inteiramente novo para si (forçado pelas circunstâncias, é certo).
Clara Soares, jornalista, psicóloga e autora do blog Psicologia Clara