Gosto da minha mulher e em cinco anos de casamento nunca se colocou a questão da infidelidade entre nós.
Recentemente, ela confessou-me que teve um caso de curta duração com um colega de trabalho. Contou-me porque não aguentava manter segredo, depois de ter chegado à conclusão que continuava a amar-me, depois de andar a afastar-me, usando o pretexto de andar cansada e com o humor alterado à conta do trabalho em excesso na empresa. Sentiu-se culpada por me ter feito passar por isto sem queixas e achou que devia correr o risco e “lidar com a verdade”.
Ela resolveu a questão, eu não. Perdoar, pede-me ela.
Apetece-me fazê-lo porque a amo e posso lidar com “a verdade” (ela traiu-me mas reconsiderou). Porém,é como se não tivesse outra escolha ou, pior ainda, é como dar parte de fraco e ser aquele que tudo aguenta. E se volta a acontecer?
António
O perdão não pode ser dado porque ela o pede, mas porque o António terá, da parte dela, “provas” do que ela afirma (demonstrações efectivas de compromisso), que o”toquem” ao ponto de sentir que os seus receios perdem sentido. Nesse caso, o velho ditado inglês “no hardfeelings” (sem ressentimentos) aplica-se naturalmente.
Se não está certo disso ainda, respeite o seu tempo para processar o que aconteceu e permita-se sentir o que tiver de sentir, sem tomar decisões precipitadas. Optar por aceitar os factos (e a leitura deles) e continuar com a vossa vida não significa dar parte de fraco (ou sentir-se a “passar por parvo”, ao fazer o favor de lhe dar “a bênção”). Perdoar será, antes de tudo, sinónimo de libertar-se, a si, do desconforto de ter ficado a braços com “o pacote” da culpa (dela).
Quando a infidelidade bate à porta, muita coisa pode abanar. As crenças e a ética do casal são postas à prova. No quotidiano de muitos casais, é frequente assistirmos a mecanismos como a omissão – “para não o(a) magoar” – e a negação – “eu compreendo, consigo estar na pele dele(a)”, “está tudo bem”, “isto não aconteceu”. Mas cada caso (e não estou a falar do “affair”, antes da vossa relação) é um caso. Inevitabilidades, todos temos. A maneira como lidamos com elas é que diz muito sobre nós e acerca da forma como queremos abordar a vida.
Se não há culpas, não há castigos. Que sentido tem o sofrimento (ou o ressentimento), nesse caso? Não será, pois, um sinal de “fraqueza”, antes uma resolução consciente e pro ativa (ou seja, é preciso “tê-los no lugar” para assimilar/integrar a dois e seguir em frente). Garantias, não há. Manuais de instruções, também não. Mas esta situação pode muito bem ser um marco, na medida em que reúne condições para poderem renovar votos e retomar viagem com “corações ao alto”…
Clara Soares, jornalista, psicóloga e autora do blog Psicologia Clara