Aos 57 anos, Manuel do Carmo é o “guardião” daquelas terras. Ficam ali, nas traseiras do lar da Misericórdia de Almada. Do morro vê-se Lisboa, a Torre de Belém e a ponte sobre o Tejo. De manhã faz frio. Muito frio.
Mas vê-se gente a cuidar dos legumes, naqueles 40 talhões de 150 metros quadrados, atribuídos, a troco de um valor simbólico, a quem tenha rendimento per capita abaixo dos 150 euros. Também há exceções, como um professor reformado da escola do Feijó, que ali se entretém nos tempos mortos, e até já convenceu ex-alunos a cultivarem couves para os cabazes de Natal, que hão de entregar aos mais carenciados. Manel não desarma, está ali todo o dia. O que brota deste solo alimenta 32 famílias.
Mas ainda há 21 em lista de espera. É por isso que este projeto tem intenção de crescer, pelo menos com mais 20 talhões espaço não falta. As hortas estão a ser cultivadas desde março. Manel tem a contabilidade em dia: já apanhou 150 quilos de tomate, 20 de feijão verde, 15 de ervilhas, 8 de pimentos, 12 de meloas e 30 de couves. O que não conseguiu consumir com o irmão, ou oferecer, vendeu em feiras. Para este desempregado da construção civil, os 150 euros que já amealhou fizeram mesmo a diferença. Mas a maior mudança é estar ali. Ora fala com este, ora ensina qualquer coisa a outro.
A partilha assume o seu verdadeiro significado por estas bandas. Quando os dias estão melhores, os hortelãos organizam piqueniques, trocam experiências, sementes, produtos. Mas os talhões têm de estar bem tratados as técnicas da Santa Casa andam muito por ali. E a Fundação EDP, que financiou o projeto, também gosta de ver se a agricultura é, de facto, sustentável. Para ajudar nessa tarefa, há cursos de formação a que todos assistem.
Milhares de couves para o Natal
Lurdes Barradas, 52 anos, gosta tanto de vir à horta que até tirou férias para pô-la em dia, com favas, ervilhas e alhos. Recrutou um dos filhos e o sobrinho, ambos desempregados, para os trabalhos mais duros. Mas é impossível não reparar nos morangueiros que ainda sobrevivem ao tempo. Lurdes gaba-se: “Já colhi toneladas deles. Agora, tenho de renová-los.” Apesar de trabalhar como educadora na Câmara de Almada, tem a seu cargo três filhos, dos 19 aos 25 anos, sem ocupação. O seu ordenado não chega. O que retira da terra, para consumo e venda, constitui uma boa ajuda. E soma-a ao peixe que o marido, também desempregado, traz do mar. Agora só precisa de aviar-se de carne.
Na mesa lá de casa, passaram a pousar mais legumes e produtos de que a família nunca tinha ouvido falar, como as acelgas, cedidas por um colega da enxada.
Por estes dias, não há ali pedaço de terra que não tenha uma área reservada à couve portuguesa. Pudera: a EDP encomendou 1 500 para os seus cabazes de Natal. E há que satisfazer tão distinta encomenda.
Quando o sol se vai, Manuel do Carmo saca as chaves do bolso e fecha o portão de acesso. Por aqui só passa quem procura sustento na terra.
BONS AGRICULTORES
Mais de 4 mil pessoas beneficiaram da rede de hortas apoiadas pelo programa EDP Solidária, em mais de 35 projetos espalhados pelo País. Eis outros alunos exemplares:
ERICEIRA
Alimenta 200 pessoas, familiares de pescadores, mas também tem uma vertente pedagógica para escolas da região
SETÚBAL
Serve famílias dos utentes do Centro Jovem Tabor. Há um hectare de vinha para futura integração de jovens institucionalizados
BRAGA
Terreno cultivado para a sustentabilidade da Cruz Vermelha e para inserção de sem-abrigo
ALFÂNDEGA DA FÉ
Aposta forte na agricultura biológica, com mais valor no mercado, funcionando como complemento aos orçamentos familiares baixos