A pobreza envergonhada foi um dos dramas que teve de enfrentar durante o primeiro triénio enquanto provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto. Eleito para um segundo mandato, António Tavares, 53 anos, não desiste de “chegar junto das pessoas”. Ao Governo pede uma maior descentralização de competências das instituições públicas para as instituições sociais, “mais próximas das pessoas”. Um dos seus projetos mais ambiciosos é a reabilitação do património imobiliário da Santa Casa, o maior senhorio privado da cidade do Porto. Um investimento que poderá estar entre os 5 e os 10 milhões de euros, para garantir a recuperação de 300 fogos. “Há muito por fazer”, diz, mas está decidido a provar que é possível fazer a diferença através da “inovação e empreendedorismo social”.
O que destacaria do seu primeiro mandato?
A primeira conquista foi afirmar a instituição como um protagonista capaz de dar respostas inovadoras às questões sociais. Também destaco a construção do Centro de Alojamento Social, com 40 camas. Alberga pessoas que, por qualquer razão, ficaram sem habitação, seja por ação de despejo, um incêndio ou acidentes domésticos. Cobrimos, ainda, situações de emergência alimentar, no caso de idosos que vivem isolados, por exemplo. Nos últimos três anos, tentámos apoiar as pessoas nas dificuldades que estavam a viver. Foi muito complicado, foram atingidas franjas da classe média com alguma pobreza envergonhada. Nesses casos, a nossa obra é chegar junto das pessoas.
Como é que se chega às pessoas com pobreza envergonhada?
Respeitando-as. Muitas destas pessoas estão com os seus níveis de autoestima em baixo. Estamos a falar de gente na casa dos 50 anos, licenciada, com um bom nível de vida e que, de repente, perde o emprego. Muitas vezes, o desemprego atinge o casal, obrigando os mais velhos a prestarem-lhes socorro. Os filhos destes casais, que estão na universidade, também passam a precisar de apoio. É essencial respeitar estas pessoas, sem lhes criar obstáculos que as tornem ainda mais cativas deste estado de espírito.
O perfil das pessoas que recorrem à Santa Casa tem-se alterado?
Não era habitual as pessoas da classe média recorrerem à Santa Casa, e hoje procuram-nos. Sentimos isso, por exemplo, através do nosso parque imobiliário, os arrendatários dirigem-se a nós para pedirem a diminuição da renda ou para não aumentarmos a renda. Também é habitual pedirem-nos emprego.
Como é que reage perante os pedidos a que não pode dar resposta?
É muito difícil e angustiante. Estamos a falar de muitas pessoas, de muitas expectativas frustradas. De repente, as dificuldades caem-lhes nas costas. Muitas vezes, surge, também, uma doença inoportuna, problemas familiares, um divórcio…As grandes vítimas desta crise são as mulheres e as crianças. Os homens, geralmente, emigram. As mulheres têm menos possibilidade de o fazer, ficam com as crianças, e passam grandes dificuldades.
Que medida governamental poderia facilitar o vosso trabalho?
As grandes medidas passam pelos reforços orçamentais que, hoje, são muito difíceis de obter. Era importante que na Reforma do Estado estivesse prevista uma maior interligação e diálogo entre o Estado e as instituições sociais. A descentralização de competências também é importante. As instituições sociais estão mais perto das pessoas e ajudam a resolver os problemas com maior eficácia do que, por vezes, as instituições públicas. Desta forma, o Estado poderá prestar um melhor serviço e com menos custos, já que as instituições sociais estão mais próximas das pessoas, sabem quem elas são. As pessoas, para nós, não são números, têm nome.
Quais são os principais objetivos para o próximo mandato?
Na área social, pretendo aumentar a capacidade de resposta da instituição, inovando nas respostas sociais. Temos um projeto-piloto com o Estado em que gerimos o Estabelecimento Prisional Feminino de Santa Cruz do Bispo e, portanto, estamos muito próximos dos problemas das reclusas e podemos dar um contributo positivo. Na saúde, assinámos, recentemente, um acordo com o Estado para gerir o Centro de Reabilitação do Norte, que vai abrir em breve. Também vamos apostar em novas receitas para a Santa Casa da Misericórdia do Porto, com dois projetos muito concretos: o novo museu, que queremos abrir na R. das Flores, na antiga sede da instituição, e o programa de reabilitação do nosso património urbano. Temos muito património fechado, queremos recuperá-lo e abri-lo a públicos muito específicos, como os idosos e os estudantes. Há um público vasto a quem queremos dar resposta de forma a garantirmos, também, receita para a instituição no mercado de arrendamento.