Escrevo para ver se me pode ajudar a perceber se existe alguma coisa errada comigo. Tudo o que eu faço ou não faço enerva os meus pais.
Quando eu era miúdo, os meus pais gabavam-me aos familiares e aos amigos deles. Eu era o filho exemplar, o bom aluno e isso deixava-me todo contente. Depois comecei a não gostar tanto de ser o centro das atenções e desde que entrei para o liceu e comecei a fazer coisas sem eles, passaram a olhar-me de lado.
O meu pai, às vezes, até me insulta, diz que eu devo ter vergonha dele para ter deixado de tê-lo como parceiro na playstation e preferir o colega de turma que mora no andar de cima. O meu pai diz que o meu colega é fraco jogador e não está à minha altura. A minha mãe não diz nada, fica a ver e volta para as coisas dela, já não parece interessada em ouvir as minhas coisas, como fazia antes, quando eu era mais pequeno. Já lhes disse que não tem nada a ver, que é normal eu querer estar mais tempo com os meus amigos e eles também. Um deles está a preparar uma festa de Halloween na casa dele e é para ficar lá no fim de semana. Mas o meu pai diz que vai em viagem de trabalho para fora e que nesse dia temos de visitar os avós.
Porque é que eles não me entendem? Às vezes parece que já não gostam mais de mim.
Manuel, Valejas
A sensação que fica das suas palavras é a de alguém que, com uma boa dose de angústia, embora de coragem, também, faz as perguntas que os seus pais não conseguiram, até agora, formular. Fica a ideia de um jovem que foi sendo visto e aceite, desde que correspondesse ao papel que lhe era, implicitamente, pedido: ser uma espécie de “troféu” para preencher as necessidades de emocionais dos adultos com quem vive. Ou ser a “montra” de que eles se orgulham de exibir socialmente. Algo que nada tem a ver, de facto, como o gostarem, genuinamente, de si.
Não admira, assim, que o seu crescimento esteja a ser experimentado como algo particularmente desconfortável e até frustrante. A vontade de agradar como filho – para ser reconhecido como gente – pode ter sido uma fonte inicial de satisfação para si, quando era mais pequeno e não pensava por si nem estava tão consciente das suas necessidades pessoais como hoje. Era, sem dúvida, uma fonte de satisfação para os seus pais e deixou de ser a partir do momento em que o Manuel lhes começou a dar sinais de não ser apenas uma extensão deles.
Todos somos filhos de alguém, mas fazermo-nos alguém – em particular, na adolescência – requer mais amor e menos cobrança por parte de quem nos acolhe. Legitimamente, interroga-se se eles alguma vez o conseguirão entender, se aceitarão algum dia o seu desejo de ser quem é, que pede para ser validado e reconhecido, sem culpa. Sem medo de não corresponder às expectativas deles. Sem o risco de os desiludir.
Não tema o confronto com os seus pais, a oportunidade de dizer-lhes o que está a sentir. De descobrir a sua própria voz, mesmo que as circunstâncias (no caso, as emocionais) lhe pareçam hostis. Talvez eles possam aprender consigo, talvez não. Importa a mensagem do poeta árabe Kahlil Gibran, há quase um século (Em O Profeta), que permanece atual e que muitos pais deveriam conhecer (especialmente os que se centram mais no seu umbigo do que nas necessidades próprias dos seus descendentes): Os Vossos filhos não são vossos filhos. São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma. Vêm através de vós, mas não de vós. E embora vivam convosco, não vos pertencem.