Conheci uma pessoa, três anos mais nova que eu e com uma filha. Desde o meu divórcio, esta é a primeira vez que estou a viver algo mais sério.
No início, ele era um livro aberto, falava-me das antigas namoradas, do que gostava e do que não gostava nelas, até na vida íntima. Houve alturas em que achei graça e me senti lisonjeada, vendo nestas confissões, que eu também lhe fui fazendo as minhas, eram mesmo uma prova de confiança, de amor.
Agora, vivo assombrada pelas ex do homem que está ao meu lado (embora ainda estejamos em casas separadas). Ele diz que admira a minha mente aberta, quer que eu me dê com a mãe da filha dele, cuja festa de aniversario está à porta e para a qual já fui convidada. Eu até me dou bem com a menina, mas este desconforto, que eu julgava ser passageiro, está a aumentar. Dou comigo a comparar-me com as mulheres que existiram antes de mim, com a mãe do filho dele, que eu ainda nem conheço, embora já tenhamos falado por telefone. Não contava ter de me cruzar “cara a cara” com figuras do passado dele num futuro próximo. Isto estorva-me, faz-me sentir “retrógrada” e não sei o que fazer.
F., 41 anos
Mais do que sinónimo ou prova de intimidade e confiança, a partilha de currículos afetivos (o rol de atrações, paixões e desencontros) revela-se, com frequência, uma espécie de auto engano. O raio X às “vidas passadas” de cada um pode ter um efeito balsâmico e ser percebido como um gesto simpático “de quem não tem nada a esconder”. Porém, a médio prazo, essa atitude aparentemente moderna e descomplexada acaba por trazer um sabor amargo e, em certa medida, funcionar como uma desilusão. Vejamos porquê.
A necessidade de “tudo contar, tudo saber” tem mais a ver com o controlo do que com a confiança (afinal, ele escolheu estar consigo e as historias anteriores não acrescentam nem retiram valor à vossa, a menos que as levem também, para a cama e para a mesa… quais assombrações!).
A “confissão” prévia não garante a fidelidade que se deseja, secretamente, assegurar. E quando uma relação se inicia sob o lema “sem segredos”, acaba por converter-se num pacto de pesadelo: tacitamente, a regra é explicitar e revelar sempre tudo, sobrando pouco ou nenhum espaço para a salutar margem de liberdade individual, para o mistério e a descoberta.
Saber toda a verdade – o que quer que ela seja, do ponto de vista de cada um – sobre as paisagens íntimas que se exploraram e os comboios que já passaram traz sempre, ou quase sempre, mais indigestão do que satisfação. Ou porque se confirma que não se é a(o) primeira(o), a(o) mais competente ou a (o) única(o) na bitola do atual companheiro de estrada.
Se deseja ter algo mais sério com o seu namorado (vida em comum) foque-se na relação que tem, no aqui e agora, com ele (os pequenos prazeres, os planos a dois) e sem ele (há vida alem do casal!). E siga a sua sensibilidade e bom senso no trato com as duas pessoas que estão no circulo próximo dele: a ex e a filha.