Bate na mulher, oh coitado, é dos nervos! Espanca os filhos, são os nervos! Depena o periquito, a culpa é dos nervos! Ameaça o marido, tem nervos, a pobrezinha! Bebe, porque a bebida acalma os nervos; não trabalha, porque os nervos não deixam; fecha o gato na máquina de lavar, porque os nervos impedem o raciocínio; pôs fim à vida, por causa dos nervos; fala sozinho à conta dos nervos; dá com a cabeça na parede, porque os nervos impelem a isso; insulta os vizinhos, porque os nervos consomem a alma! Muito boa gente… se não fossem os nervos! Camadas de nervos, como diz o outro! Ou então, tão boa pessoa, mas esqueceu-se de tomar o comprimido e fica assim, o coitadinho/a!
A doença dos nervos, assim chamada por muita gente, é o saco onde cabem todos os comportamentos humanos que se desviam da normalidade. Desde a patologia, à ruindade, (sim, porque a maldade existe de facto, tal como a bondade e há, também, muita gente naturalmente ruim, movida a ressabiamentos e afins) tudo se circunscreve aos nervos. No entanto, começa a ser cada vez menos assim! Já não é só dos nervos! Ou melhor, é cada vez menos dos nervos e cada vez mais motivo de uma doença específica, bem delimitada ou não, geralmente do âmbito da saúde mental.
De uma ou de outra forma, as doenças do foro psiquiátrico colam-se à pele para nunca mais saírem ou só saírem após bastante tempo. Algumas, não saem nunca. Outras vão saindo, conforme a ajuda médica que recebem e, até, conforme a conjuntura da vida de cada um ou do próprio país. Olhem em volta. Suicídios aumentam em Portugal. Há pouco tempo, foi apresentado o Plano Nacional de Prevenção do Suicídio (2013 – 2017); os Estados Unidos lideram nos estados depressivos; estudos apontam para que em 2030 a depressão seja a maior causa de incapacidade no mundo. Tudo sintomas que devemos levar muito a sério! E, individualmente, rever modos de vida! Escolher caminhos. Os que podemos escolher, ao menos!
São muitíssimos os factores que interferem nesta esfera da saúde mental. O certo é que as doenças do foro psiquiátrico são um forte estigma. E, em alguns casos, a “falta do comprimido” se, por um lado, ainda vai justificando e desculpando alguns comportamentos, por outro, serve tão só para a discriminação e a exclusão.
Há sinais de que as coisas estão a mudar, lentamente, como é apanágio das mudanças de mentalidade. São muitos os alertas e a estatística, apesar de alguns números deixarem a desejar, vão consciencializando para a necessidade de agir.
Ultimamente as notícias dão conta de que “nos primeiros oito meses deste ano, os portugueses compraram diariamente, em média, mais de 75 mil embalagens de antidepressivos, estabilizadores de humor, tranquilizantes, hipnóticos e sedativos”.
Portugal tem uma Proposta de Plano de Acção para a Restruturação e Desenvolvimento dos Serviços de Saúde Mental (2007-2016) onde a saúde mental se apresenta como uma prioridade de saúde pública e onde se abordam, também, as necessidades no que reporta à saúde mental na infância e na adolescência.
Aqui, nesta matéria, não resisto a desviar a vossa atenção para um livro que acabou de sair: “Eu Estou Sempre Cá” da pedopsiquiatra Maria de Lurdes Candeias. Como se pode ler na nota de imprensa “quem tem adolescentes em casa ou convive de perto com eles sabe bem o quanto é difícil comunicar com aqueles seres em transição, que ora estão enfadados, ora estão numa tristeza aflitiva, ora ficam agressivos sem razão nenhuma. O que podem estes jovens esconder quando as notas escolares caem a pique, quando se manifesta uma anorexia ou passam a viver cheios de fobias e medos?” O livro que será apresentado em Lisboa, no próximo dia 10, Dia Mundial da Saúde Mental, reúne alguns casos clínicos e aborda o tratamento da depressão na adolescência.
Este ano, o Dia Mundial da Saúde Mental, parte do tema “Mental Health and Older Adults”, proposto pela World Federation for Mental Health e é mote de muitas iniciativas pelo mundo fora. Para a semana, no Porto, a ENCONTRAR+SE – Associação de Apoio a Pessoas com Perturbação Mental Grave – em conjunto com diferentes parceiros, organiza um evento que abarca algumas áreas prioritárias no âmbito da saúde mental, alcançando diferentes públicos. É só consultar o programa.
Para terminarmos, recomendo vivamente um livro escrito há 13 anos mas que mantém uma inquietação fascinante. Está traduzido em diversas línguas e é da autoria do psiquiatra José Luís Pio de Abreu. Sim, estou a falar do manual “Como Tornar-se um Doente Mental”. Rir com coisas sérias, desconstruir uma realidade que amanhã pode ser a nossa. Ninguém está livre de cair num desses buracos negros, quer temporariamente, quer definitivamente. Essa é que é essa!
E, a bem da nossa saúde mental, nada como tomar consciência de algumas utilidades aparentemente banais. Que a vida tem paradoxos lixados; que não serve de nada mentirmo-nos, que a lucidez é um bem precioso. Como escreve o professor Pio Abreu, “tem de assumir a responsabilidade pelas suas acções. Afinal, todos fomos expulsos do Paraíso e condenados à solidariedade”. Ora aí está uma condenação que me parece justa! E ainda mais quando falamos de saúde mental. Menos pena, coitadinho/a; mais acção e solidariedade, se faz favor!