Espalhou a mensagem pelas redes sociais e, em poucos dias, um grupo de ativistas conseguiu angariar três mil euros para alugar outdoors em espaços de destaque em Lisboa, em Algés e em Loures, que preencheu com pontos. Um ponto por cada uma das 4 815 crianças alegadamente vitimas de abusos sexuais por elementos da igreja católica.
No dia em que todas as atenções estão viradas para a chegada do papa Francisco a Lisboa, este grupo quis garantir que as conclusões do inquérito da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica, realizado em 2022, estarão na mente de todos os peregrinos que participem na Jornada Mundial da Juventude (JMJ).
O design – a cargo da artista Telma Tavares – é inspirado nos cartazes oficiais da JMJ. Quer pelo tipo de letra usado, quer pelas cores (vermelho, verde e amarelo), incluindo até o hastag oficial (#WYD – World Youth Day). De um lado, lê-se, em inglês, “4800+ crianças abusadas pela Igreja Católica em #JMD #WYD”; do outro veem-se os pontos vermelhos, simbolizando as vítimas.
Os cartazes foram colocados, esta madrugada, em espaços de destaque nos três principais concelhos organizadores da JMM: em Lisboa (na Alameda, logo à saída do metro), em Loures (perto do tribunal) e em Algés (na estação de comboio).
Por trás da iniciativa está um grupo de cidadãos “com diversos credos que não quer que se esqueçam dos abusos na Igreja Católica portuguesa”, como os próprios se apresentam no site “this is our memorial” (em português e em inglês) para explicar a sua mensagem. “Não nos escondemos mas também não queremos aparecer. O foco deve estar em dar voz às vítimas, as caras a aparecer devem ser as dos responsáveis pela instituição que permitiu que este tipo de abuso fosse estrutural e, até ao momento, impune”, continuam, exigindo da igreja respostas.
À VISÃO, a designer Telma Tavares dizia no final da semana passada, quando ainda não sabia se conseguiriam angariar o dinheiro necessário para expor os cartazes, que, apesar de ter construído o cartaz, “isto é de todos. As pessoas fazem o que quiserem com as imagens. Se a cidade ficar cheia de autocolantes, não fui eu a produzi-los. Acreditamos que está tudo dentro da legalidade”.
“Os outdoors são um memorial, são a nossa homenagem possível às vítimas. E são uma forma de protesto não só pelos abusos que a Igreja tenta minimizar como por todos os gastos financeiros com as jornadas que o Bordallo II tão bem referiu”, notou a artista, referindo-se ao “caminho da vergonha” (uma passadeira feita de notas de 500 euros) que Bordallo II estendeu na escadaria do palco principal da JMJ, como forma de protesto.
Esta iniciativa junta-se a um conjunto de ações curso, no terreno e nas redes sociais. Nas últimas semanas, Lisboa viu aparecerem vários grafiti alusivos à Jornada Mundial da Juventude, à vinda do Papa e aos abusos sexuais de menores no seio da Igreja. Como a frase “Ainda antes de o Papa vir, já eu rezava por um quarto aqui”, escrita à entrada de um prédio na Avenida Almirante Reis, em Lisboa, habitualmente ocupada por sem-abrigos.
Estes casos não têm merecido a atenção da igreja, que, na pessoa do cardeal patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, os desvalorizou. “Façam o que entenderem fazer, no respeito pela lei”, afirmou, esta semana, na primeira conferência de imprensa da organização da JMJ.