No auditório oficial da COP30, o Presidente da Organização Mundial da Saúde (OMS) reforçou uma mensagem que já ecoava nas ruas de Belém durante as manifestações dos últimos dias: “saúde é clima e clima é saúde”. O Plano de Ação em Saúde de Belém promete canalizar fundos comunitários da ONU para ampliar o acesso universal à saúde, especialmente em países vulneráveis, e para fortalecer a capacidade das populações responderem aos impactos da crise climática.
A proposta reconhece uma verdade óbvia mas frequentemente ignorada: num planeta doente, não há sistemas de saúde capazes de garantir bem-estar. E a OMS alertou que a saúde pública está cada vez mais sob ataque — por colapso ambiental, por desigualdade económica, por infraestruturas frágeis e por ausência de financiamento adequado.
Ainda assim, cresce uma preocupação: o discurso oficial na COP30 tem deslizado progressivamente para a adaptação, em detrimento da mitigação. Quando se deveria discutir como travar a subida da temperatura global, volta-se ao debate sobre como sobreviver às consequências. “Neste momento deveríamos estar a encurtar o prazo para atingir a neutralidade carbónica para 2040”, relembra Pedro Moura, presente nas sessões. “Em vez disso, estamos a reforçar uma narrativa que normaliza vivermos acima dos 1,5 °C”. O plano apresentado é importante, urgente e necessário — mas chega num contexto em que a ambição política global continua a recuar.
Se no interior dos espaços oficiais os avanços são lentos e os compromissos tímidos, na Cúpula dos Povos viveu-se o oposto: intensidade, emoção e horizonte político. A abertura oficial foi descrita pelos participantes como um momento de rara beleza. Sílvia Moutinho relata um ambiente de partilha profunda entre movimentos de diferentes continentes, unidos pela defesa da vida, da floresta, das águas e dos territórios. “Um momento que fica para sempre”, disse. “Um pontapé de saída para um trabalho rico e próspero, que traga futuro à união dos povos.”
Lá dentro, num espaço construído coletivamente por centenas de organizações, discute-se o que não cabe nos corredores diplomáticos: soberania alimentar, demarcação de territórios, reparação histórica, combate ao racismo ambiental, tecnologias sociais e transições justas feitas pela base. Enquanto isso, a COP repete fórmulas, revê prazos e evita os confrontos políticos mais duros — sobretudo aqueles que implicam enfrentar indústrias fósseis e interesses corporativos.
O contraste não podia ser mais claro: a força dos povos cresce; a política institucional fica para trás. O Plano de Ação em Saúde de Belém pode vir a melhorar a vida de milhões de pessoas, especialmente onde o acesso à saúde, educação e serviços básicos continua marcado pela desigualdade. Mas, sem mais ambição na mitigação, sem redução real de emissões, sem enfrentar o poder dos combustíveis fósseis, continuaremos a responder a sintomas em vez de tratar as causas.
Imagens: Abel Rodrigues, Pedro Moura e Sílvia Moutinho | Direção Editorial: Joana Guerra Tadeu | Produção em parceria com Don’t Skip Humanity