No último dia oficial da COP30, a frase da eurodeputada Lídia Pereira ecoa como síntese de um momento crítico: “É preferível não haver acordo a fingirmos que há compromisso com o Acordo de Paris.”
Mas, ao contrário do que poderia parecer, esta posição já não é apenas europeia. O que começou como uma carta assinada por 29 países transformou-se, em poucas horas, numa discórdia global que reúne mais de 70 países, incluindo Portugal, vários Estados insulares, países latino-americanos e membros do Environmental Integrity Group.
A contestação ao texto apresentado pela presidência brasileira ultrapassou o eixo UE–G7 e ganhou dimensão multilateral. O ponto central da discórdia permanece o mesmo: a falta de ambição no capítulo da mitigação. Para o bloco crescente de países críticos, não é possível reforçar pedidos de financiamento climático e adaptação enquanto grandes emissores como China e Índia evitam compromissos adicionais para reduzir emissões, e enquanto países árabes recuam relativamente aos avanços recentes de Dubai.
“Não é aceitável pedir mais financiamento para adaptação, quando países com responsabilidades enormes não assumem cortes robustos. A UE não pode fazer sozinha aquilo que deveria ser um esforço global”, afirma Lídia Pereira:
A ampliação do grupo dissidente tornou a pressão ainda mais intensa. Países insulares, os mais vulneráveis ao aumento do nível do mar, juntaram-se rapidamente ao movimento. Nações latino-americanas, como o Chile, a Colômbia e a Costa Rica, também reforçaram o apelo, argumentando que sem um roteiro real de transição energética, a COP30 perde o seu propósito histórico. O Canadá, a Austrália e vários países africanos começaram igualmente a manifestar reservas.
A mensagem é clara: não há maioria possível para aprovar um texto fraco.
Nos bastidores, negociadores descrevem o clima como “o mais tenso desde Glasgow”. A presidência tenta reabrir pontos, acomodar exigências e redesenhar o equilíbrio entre mitigação e meios de implementação. Mas o tempo está a esgotar-se, e o alinhamento de quase 70 países tornou-se um obstáculo incontornável.
Além disso, várias delegações começaram a deixar Belém antes da conclusão das negociações, um desgaste que dificulta o quórum, acentua o risco de impasse e amplifica a frustração.
Acordo forte ou nenhum acordo.
A metáfora do fogo atravessa esta COP não pelo incidente físico que marcou os últimos dias, mas pelo que ele simboliza: um processo em combustão interna, com chamas diplomáticas acesas por grupos de países que se recusam a aceitar um acordo aquém da ciência e da realidade climática.
Hoje, tudo converge para uma decisão: acordo forte ou nenhum acordo. E, pela primeira vez em muitos anos, um grande bloco de países está disposto a assumir publicamente essa escolha.