“O tribunal, sem o fundamentar, decidiu qualificar de não credíveis os depoimentos das testemunhas da acusação ou da defesa que não depuseram de acordo com aquilo que o tribunal deu como provado e não provado, os quais assim foram desconsiderados”, escreve o advogado Ricardo Sá Fernandes em defesa do seu cliente Manuel Pinho, no recurso que agora interpôs na Relação de Lisboa, em que pede a nulidade da sentença que, em junho passado, condenou o ex-ministro da Economia a dez anos de prisão efetiva por dois crimes de corrupção passiva para ato ilícito, um crime de fraude fiscal e um crime de branqueamento. “Fica-se com a desconfortável sensação de que o tribunal (…) decidiu desconsiderar o depoimento das testemunhas que disseram aquilo que os senhores juízes não gostaram de ouvir, por não corresponder ao seu pré-juízo sobre os temas de que depuseram. E é esse espírito que inquina de forma inapelável o segmento do acórdão que procede à apreciação crítica da prova”, acrescenta Sá Fernandes. Por isso, o recurso apresenta uma seleção de dezenas de excertos de depoimentos de testemunhas em tribunal – trabalho facilitado por aplicações tecnológicas –, para alegar que “não há base testemunhal nem documental” para as “presunções” tiradas pela sentença da primeira instância.
A narrativa das testemunhas “boas”, que disseram o que o tribunal queria ouvir, e das testemunhas “más”, que disseram o que o tribunal não queria ouvir, é o epicentro das alegações do advogado de defesa de Manuel Pinho para contestar a decisão que condenou o ex-governante. A sentença do coletivo de juízes, presidido pela magistrada Ana Paula Rosa, acolheu a tese da acusação do Ministério Público, segundo a qual Ricardo Salgado (condenado a seis anos e três meses de prisão efetiva) e Manuel Pinho estabeleceram um “pacto corruptivo” para que este, enquanto fosse ministro da Economia do governo maioritário de José Sócrates, funções que exerceu entre 2005 e 2009, beneficiasse os interesses do Banco Espírito Santo (BES) e do Grupo Espírito Santo (GES).