Cem anos depois, os Jogos Olímpicos voltaram a realizar-se na capital francesa, que tem vindo a preparar-se para o maior evento desportivo do mundo desde 2015. Parte essencial dessa preparação foi a limpeza das águas do rio Sena, elemento fundamental e histórico da cidade francesa. Após a confirmação da realização das olimpíadas em França, Anne Hidalgo, presidente da câmara de Paris, prometeu que a cidade, onde habitam atualmente cerca de 11 milhões de pessoas, passaria por uma drástica atualização ambiental até 2024 e que, à semelhança do que aconteceu nos Jogos Olímpicos de 1900 – também em Paris –, as provas olímpicas de natação aconteceriam no rio.
“A partir de 2015, decidimos que aproveitaríamos os Jogos Olímpicos para acelerar consideravelmente a visão”, referiu Emmanuel Grégoire, vice-presidente de Paris e responsável pelo planeamento urbano em entrevista à revista Time, em 2023. “Foi uma parte realmente importante da candidatura”, acrescentou. Sendo proibido nadar no rio desde 1923 devido ao elevado nível de poluição do mesmo, o plano de limpeza do rio mobilizou 1,4 mil milhões de euros e levou, no início deste mês, a presidente da câmara mergulhar no rio como forma de mostrar a toda a gente que as águas eram seguras.
Limpar o Sena
O rio Sena, que atravessa a capital parisiense, tem sido uma parte fundamental para o desenvolvimento da cidade desde a sua fundação pelos antigos romanos. “O Sena é a razão pela qual Paris nasceu”, referiu Grégoire na mesma entrevista. Contudo, ao longo dos séculos, e à medida que a cidade cresceu e se desenvolveu em torno do trecho de água, este foi sendo poluído pelas diferentes gerações de parisienses. Primeiramente, enquanto local de “despejo” de cadáveres durante as guerras religiosas do século XVI e, mais tarde, enquanto local de descarte de variados objetos já sem utilização. Mas a maior fonte de poluição das últimas décadas vem sobretudo sob a forma de despejo de águas residuais — que incluem esgoto doméstico e industrial — no rio.
Desenvolvido na época napoleónica, o sistema de esgotos antigo da cidade de Paris reunia, até à algumas décadas, o escoamento de resíduos e de águas pluviais (da chuva) das ruas numa única rede que terminava no rio. Uma combinação de sistemas de esgoto antigos e novos que tem sido “cara e complicada” de resolver, de acordo com Samuel Colin-Canivez, engenheiro-chefe das grandes obras de saneamento de Paris à Times. Segundo a revista, só em 2022 foram despejados 1,9 milhão de metros cúbicos de águas residuais não tratadas no Sena, valores que as autoridades consideraram serem os necessários de forma a evitar a saturação da rede de esgotos de Paris e a inundação da cidade.
A rede de esgotos tem vindo a sofrer intervenções desde a década de 1980 mas a última solução passou pela construção de um tanque subterrâneo gigantesco de armazenamento de água da chuva, localizado ao redor de Paris – a bacia de Austerlitz – com 30 metros de profundidade e 50 metros de largura. Com um custo total de mais de 90 milhões de euros – dentro dos 1,4 mil milhões gastos para a limpeza do rio – a bacia é a peça central do projeto que pretende tornar o rio novamente seguro para os banhistas até 2025.
Apesar dos esforços para limpar o curso de água, não se têm verificado as condições necessárias para a realização das provas olímpicas devido, segundo a organização, às chuvas que têm perdurado na cidade francesa. De acordo com um comunicado de Paris, após o as chuvas de 17 e 18 de junho, a bacia terá alcançado os 80% da sua capacidade total evitando, assim, que mais de 40 mil metros cúbicos de águas residuais e pluviais fossem descarregados no Sena. Mas os níveis de qualidade da água continuaram a não permitir a realização dos treinos e provas previamente agendadas.
Segundo a organização dos Jogos, o motivo da poluição estará nas chuvas intensas que caíram sobre a capital. “Isto deve-se à chuva que caiu em Paris nos dias 26 e 27 de Julho”, lê-se numa nota da organização que reforça ainda que “a prioridade é a saúde dos atletas”.
As fortes chuvas, especialmente as que se fizeram sentir no passado fim de semana, podem levar ao aumento dos níveis de bactérias – como a E. Coli – presentes nas águas do rio e colocar em risco a saúde de qualquer pessoa que entre em contacto com a água. A presença desta bactéria – indicadora de matéria fecal – tem sido uma das maiores preocupações relativamente à limpeza do Sena, pelos efeitos nocivos que tem no organismo humano. De nome científico Escherichia Coli, a E.coli é uma bactéria que existe habitualmente no intestino de pessoas saudáveis. A maioria das estirpes desta bactéria é inofensiva, contudo, esta pode causar infeções de ordem intestinal, digestiva e urinária graves quando ingerida através de alimentos ou bebidas infetadas. Entre os riscos da sua infeção em humanos encontram-se gastroenterite com diarreia intensa e com muco ou sangue e infeções urinárias.
Ainda em abril deste ano, Tony Estanguet, presidente da edição dos Jogos Olímpicos de Paris, apontava para os efeitos que as condições climáticas teriam na propagação da ameaça de E. coli. “Quando decidimos realizar esta competição no Sena, sabíamos que seria um grande desafio. Mas as autoridades tinham um grande programa de investimentos e, quando falámos do legado da competição, sentimos que este projeto seria fantástico”, explicou Estanguet ao Sport Accord.
As bactérias presentes na água da chuva
A água da chuva, historicamente, tem sido muitas vezes associada a propagação de surtos e doenças. Embora útil para outras tarefas – como regar as plantas ou lavar o carro – a água da chuva não é, geralmente, potável, por conter bactérias, parasitas, vírus e químicos que podem – e têm – levado a problemas de saúde em humanos. “Sempre que se entra numa massa de água – não apenas o rio Sena, ou um rio de uma cidade – é preciso reconhecer que não se está a saltar para água estéril”, referiu Amesh Adalja, especialista do Centro Johns Hopkins e porta-voz da Sociedade de Doenças Infecciosas da América, ao TODAY show.
A água da chuva pode ainda arrastar diferentes tipos de bactérias para os cursos de água, por exemplo, ao entrar em contacto com dejetos de aves, poeiras e resíduos que se encontram em telhados, passeios e canos nas ruas e acabam por ser transportados para os rios ou sistemas de esgotos.
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