A Procuradora-geral da República revelou, esta segunda-feira, em entrevista à RTP, não ter recebido “com agrado” as palavras do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que a acusou de “maquiavelismo” devido ao chamado “caso das gémeas luso-brasileiras” e de ter ficado “perplexa” com as declarações da ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice, quando esta referiu ser necessário colocar “ordem na casa” do Ministério Público.
A poucos meses de terminar o mandato como PGR (outubro), Lucília Gago fez questão de dizer que as declarações da ministra da Justiça foram a “mola impulsionadora” que a levou a conceder a entrevista à RTP, a primeira ao fim de quase seis anos de mandato. A procuradora-geral classificou as palavras da ministra como “graves”, uma vez que “imputam ao Ministério Público” a culpa de “todos os problemas da Justiça”. Lucília Gago disse estranhar que a ministra tenha afirmado que o “diagnóstico” sobre o MP “está feito”, quando “numa audiência de três horas” não lhe tenha transmitido nenhuma preocupação.
No que diz respeito a Marcelo Rebelo de Sousa, apesar do visível desconforto, Lucília Gago afirmou não ter “recebido com agrado” as considerações feitas pelo Presidente, durante um jantar com jornalistas estrangeiros: Marcelo, recorde-se, classificou como “maquiavélica” a abertura de um inquérito ao caso das “gémeas luso-brasileiras” no mesmo dia, 7 de novembro de 2023, em que foram realizadas buscas e detenções na “Operação Influencer”, processo que ditaria a queda do governo de António Costa. “Equilíbrio”, disse o Presidente.
Sobre a “Operação Influencer”, que envolve Diogo Lacerda Machado e Vítor Escária, entre outros arguidos, a PGR voltou a defender a inclusão do último parágrafo do comunicado, que referia a abertura de um inquérito contra o ex-primeiro ministro, adiantando que a inclusão dessa informação foi da sua “inteira responsabilidade”, uma vez que a “omissão” de tal informação não seria “compreensível”. Lucília Gago garantiu ainda que o Presidente da República não teve qualquer intervenção na redacção do texto do comunicado “nem uma vírgula”. “Quando fui a Belém, o comunicado já estava escrito”, enfatizou.
Os efeitos foram conhecidos, mas a Procuradora-geral continua a não se sentir responsável: “Ninguém disse que o senhor primeiro-ministro à data estivesse indiciado, fosse sequer suspeito da prática desses ilícitos”, responde, quando questionada se é possível um primeiro-ministro se manter em funções quando é mencionado num comunicado sobre suspeitas de corrupção, prevaricação e tráfico de influências. “O que se disse”, continuou, “é que suspeitos nesse processo aludiram ao seu nome e à sua influência para”.
Quanto à decisão de António Costa em pedir a demissão, a PGR considerou tratar-se de “uma avaliação pessoal” feita pelo antigo primeiro-ministro, que “não cabe ao Ministério Público fazer”.
Já a propósito do facto de, até à data, nunca ter dado uma entrevista, a PGR respondeu: “A discrição é bem melhor que o espalhafato.” “Não tenho também nunca tive o culto da imagem, não preciso de popularidade, não preciso de modo algum de estrelato”.