Francisca Van Dunen, antiga procuradora-distrital de Lisboa e ministra da Justiça durante o primeiro governo de António Costa (2016-2019), foi uma das quatro testemunhas de defesa da procuradora Maria José Fernandes, autora de um artigo de opinião no “Público”, que lhe valeu um processo disciplinar, entretanto, arquivado esta semana pela secção permanente do Conselho Superior do Ministério Público.
De acordo com informações recolhidas pela VISÃO, a antiga ministra da Justiça prestou um depoimento por escrito em defesa de Maria José Fernandes, que contou ainda com os depoimentos de dois antigos procuradores-distritais do Porto, Arménio Sottomayor e Pinto Nogueira, assim como com José Faria Costa, antigo diretor da Faculdade de Direito de Coimbra e ex-Provedor de Justiça.
O depoimento de Van Dunen suscitou, no interior do Ministério Público, muitas leituras, até porque, como ministra da Justiça, teve um papel importante na nomeação de Lucília Gago, em 2018, como Procuradora-geral da República. E deu um depoimento, defendendo uma magistrada que, indiretamente, criticou a “Operação Influencer”
O processo disciplinar à magistrada do Porto foi aberto, após uma participação do diretor do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), Francisco Narcico, insurgindo-se contra o teor do artigo: “Ministério Público: como chegamos aqui”, no qual algumas considerações genéricas sobre a atividade do Ministério Público poderiam encaixar na polémica gerada pela “Operação Influencer”. No texto, recorde-se, Maria José Fernandes, embora sem se referir diretamente à Operação Influencer, questionou como foi possível chegar até aqui, ou seja, até “à tomada de decisões que provocaram uma monumental crise política e cujas consequências vão ainda no adro”, questionando métodos de trabalho e investigação do MP, designadamente do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP).
“Não esperávamos, por isso, que no momento em que o MP é mais atacado, uma magistrada do próprio MP produzisse declarações, a meu ver essencialmente erradas, mas, em qualquer caso, que diminuem a imagem do MP e dos seus magistrados, que não revelam qualquer solidariedade, que não têm em consideração o seu trabalho”, referiu o diretor do DCIAP, o que levou Lucília Gago a avançar com um “processo especial de averiguações”.
Concluída esta fase, o instrutor propôs, tal como a VISÃO adiantou, a conversão em processo disciplinar, apontando a Maria José Fernandes três infracções: violações dos deveres de reserva, lealdade e correcção, afirmando, entre outros argumentos, que a procuradora se deixou “um pouco inebriar pelas solicitações jornalísticas” e “quiçá alguma ânsia de protagonismo”.
Liberdade de expressão
Esta semana, por proposta do Procurador Regional do Porto, Norberto Martins, os membros da secção permanente do CSMP decidiram pelo arquivamento, considerando, à luz da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, que a liberdade de expressão deve prevalecer sobre eventuais infracções disciplinares. Ainda assim, Norberto Martins não deixou de referir que Maria José Fernandes procurou “amesquinhar” e “apoucar” os colegas do Ministério Público.