Episódio atrás de episódio, temporada após temporada, toda a gente tem aquela série, novela ou programa de televisão que os cativa e envolve profundamente no seu universo. Geralmente, são estes os programas com os quais se desenvolvem maiores ligações emocionais e empáticas, seja através do enredo ou das personagens. No entanto, todos os programas chegam ao fim, para a infelicidade dos seus fãs que deixam de ter contacto com aquele determinado mundo e aquelas personagens.
Um exemplo recente desta situação passou-se na Austrália, com o cancelamento da série televisiva Neighbours, após 37 anos no ar. Criada em 1985, esta foi uma série diária de longa duração – muito popular na Austrália e Reino Unido – com quatro décadas de emissão e fãs de diferentes gerações. Após o seu cancelamento, em 2022, os apelos do público fizeram com que a produtora da série reconsiderasse, tendo a série regressado ao pequeno ecrã já em 2023.
Mas foram os efeitos de desgosto e tristeza que o cancelamento do programa gerou no público australiano que intrigaram um grupo de investigadores da Universidade Central de Queensland, na Austrália. A equipa, liderada pelo psicólogo australiano Adam Gerace, publicou recentemente um estudo de análise onde investigou os efeitos que o final da série provocou nos seus maiores fãs. Segundo as suas conclusões, publicadas sob a forma de artigo na revista científica PLOS One, os seguidores da série afirmaram experimentar sentimentos de desgosto e de perda, semelhantes aos vividos após o falecimento de um amigo próximo, após o cancelamento de Neighbours. “Os fãs compararam o fim da série ao sentimento de perder um amigo”, referiu Gerace, principal autor do estudo.
Para o estudo, foi desenvolvido e aplicado um inquérito a quase 1300 fãs da série de televisão, o que permitiu à equipa de cientistas observar a forma como os participantes lidaram o final da série, bem como as emoções – relacionadas com o luto, a raiva ou a tristeza – que viveram ao se despediram da série e das suas personagens preferidas. Através das respostas, os investigadores concluíram que muitos espectadores da série apresentaram sentimentos profundos de tristeza e que, em grande maioria, tiveram dificuldade em aceitar o desaparecimento do programa e das suas personagens preferidas. “Os fãs pareciam estar a viver um luto bastante forte, refletindo a importância da série e das relações com as personagens para as suas vidas e um sentimento de rutura ou perda parassocial”, pode ler-se no estudo.
Foi ainda possível concluir que as pessoas que experienciaram maiores sentimentos de desgosto e luto foram as que criaram fortes laços com as suas personagens favoritas e se envolveram emocionalmente com elas. Ou seja, estes sentimentos mostraram ser mais fortes em pessoas com relações “parassociais” com as personagens, considerando-as suas amigas e parte do seu grupo social. As relações parassociais são ligações emocionais profundas e unilaterais que uma pessoa desenvolve sobre outra que, tipicamente, não partilha ou reconhece essa ligação. Geralmente estas ligações emocionais desenvolvem-se sobretudo com celebridades ou personagens fictícias. “Imaginavam como a sua personagem favorita estava a pensar e a sentir. Sentiam-se felizes quando a sua personagem favorita estava feliz e preocupadas quando esta enfrentava o perigo”, explicou Gerace.
Outro fator que poderá explicar as conclusões do estudo passa pela duração da série, uma vez que a mesma foi transmitida durante 37 anos, o que permitiu aos espetadores criarem relações de empatia profundas pelas personagens. Ademais, outros fatores como as vivências e experiências pessoais podem levar a que certas pessoas se relacionem, mais profundamente, com determinadas personagens ou situações.
Os cientistas envolvidos no estudo acreditam que as suas conclusões podem vir a contribuir para uma melhor compreensão das relações parassociais e do impacto que os meios de comunicação social têm na vida das pessoas. “Compreender as experiências dos fãs quando uma série de longa duração termina faz avançar a teoria e a investigação sobre as relações parassociais dos espectadores e o envolvimento com os meios de comunicação social, além de fornecer provas de que a perda de uma série ou de uma personagem favorita pode ser vista como um tipo de experiência de luto”, pode ler-se nas conclusões do estudo.
Este fenómeno não é, contudo, exclusivo das séries e programas de televisão, verificando-se a sua existência na literatura, jogos de vídeo ou morte de celebridades, o que tem levado à realização de estudos de objetivos semelhantes. Em 2004, por exemplo, um estudo publicado na revista científica Journal of Broadcasting & Electronic Media descobriu associações emocionais entre o final da série “Friends” a níveis de angústia semelhantes aos sentidos após o fim de uma relação na vida real.