É conhecida a resposta que o general Humberto Delgado, candidato oposicionista à Presidência da República em 1958, deu a um jornalista que lhe perguntou o que faria a Salazar se viesse a ganhar a eleição: «Obviamente, demito-o.» E, ao longo deste quase meio século que passou desde o 25 de Abril de 1974, as pessoas mais atentas a estas coisas ter-se-ão interrogado: «Poderia efetivamente o Chefe de Estado demitir o chefe do Governo, sem que isso passasse pela dissolução da Assembleia?» A resposta a esta questão, que parece ser de pormenor e que não é mais do que uma das muitas que se podem colocar, é: podia, sim. Vejamos porquê.
Segundo a Constituição de 1933, corporativa, antiliberal e anti-individualista, o presidente do Conselho (equivalente a primeiro-ministro, como agora dizemos nos termos da Constituição de 1976) respondia apenas perante o Presidente da República e era por ele nomeado e (se fosse o caso) exonerado. Recorde-se que, em 1968, Américo Tomás teve poderes para exonerar Salazar quando o estado de saúde deste assim o impôs e para nomear para o seu lugar Marcelo Caetano. O Presidente da República podia também dissolver a Assembleia Nacional, se assim o entendesse, mas esse ato era independente da nomeação ou da exoneração do chefe do Governo. Ao «supremo magistrado da Nação» (expressão muito usada jornalisticamente) competia ainda, nos termos constitucionais, representar o País internacionalmente, dirigir a política externa, indultar e comutar penas e promulgar e fazer publicar as leis e decretos emanados da Assembleia. Quase apetece acrescentar: e proceder a inaugurações… Quem viveu os tempos do Estado Novo recordar-se-á bem das deslocações quase diárias do «venerando Chefe de Estado» almirante Américo Tomás (no cargo de 1958 a 1974) aos quatro cantos do País para cortar fitas inauguratórias de barragens, monumentos, estradas, escolas, fontanários e outros «melhoramentos» operados pela «Revolução Nacional» (como por vezes era designada a situação política ditatorial nascida no remoto ano de 1926).