A resolução de outros países também acabou por ser tomada por Portugal: a recolha de dados biométricos realizada nas bancas da Worldcoin encontra-se suspensa por ordem da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) desde esta terça-feira. Contudo, a atividade da empresa criada pelo norte-americano Sam Altman não está travada para sempre, mas apenas pelo período de 90 dias.
A justificação para a suspensão
Em comunicado, a CNPD explica que a Worldcoin Foundation foi imediatamente informada da suspensão temporária, que decorre até que seja concluída a averiguação sobre o direito à proteção de dados pessoais, especialmente de menores, e emitida a decisão final sobre a matéria.
Esta decisão provisória e urgente é tomada na sequência das muitas queixas recebidas pela CNPD durante as últimas semanas. Entre as participações recebidas há alegados casos de recolha de dados biométricos de menores de idade sem autorização dos seus representantes legais, assim como reclamações da falta de informação prestada a quem fornece os dados nas bancas sobre o que é feito com os dados, se os podem apagar ou revogar o consentimento.
É o travar, ainda que temporário, da atividade de uma empresa que já recolheu dados biométricos a mais de 300 mil cidadãos nacionais. Pessoas que foram aliciadas a fornecer imagens da sua íris – zona do olho que rodeia a pupila e se distingue pela cor – em troca de worldcoins. Esta “venda” foi o que motivou uma verdadeira corrida às bancas da empresa, com muitos a aceitarem ceder este dado biométrico na expectativa de receber as criptomoedas criadas por Sam Altman em julho do ano passado. É natural que o nome do empresário possa parecer-lhe familiar, uma vez que se trata do fundador do ChatGPT, a ferramenta de Inteligência Artificial (IA) mais utilizada no mundo.
Dinheiro que alicia
Diz o ditado popular que “quando a esmola é muita, o pobre desconfia”, e parece ter sido isso a acontecer neste caso. Em bancas situadas em grandes superfícies comerciais ou em estações movimentadas, as pessoas eram aliciadas a deixar o dispositivo “Orb” captar imagens das suas íris, prometendo usar estas fotos para criar uma das maiores bases de dados biométricos de sempre sem colocar em causa a privacidade do dador.
Cada pessoa que aceite fornecer este dado biométrico recebe em troca 10 worldcoins, arrecadando mais seis moedas só por descarregar a aplicação e ainda moedas adicionais caso convide outras pessoas a inscrever-se. Esta criptomoeda foi aliciante, com cada moeda a valer cerca de 6.45 euros, o que permitia que o dador de dados biométricos pudesse chegar facilmente aos 112 euros, com o dinheiro a poder ser transferido da aplicação para outra conta bancária ao fim de 24 horas. Atualmente, o valor da worldcoin está a -27.02% do seu máximo histórico.
O verdadeiro valor das imagens da íris
Os dados biométricos da íris permitem provar no meio digital que estamos perante uma pessoa e não um robô que se está a fazer passar por um humano, algo cada vez mais relevante numa era em que a IA vive um desenvolvimento acelerado. A Tools for Humanity alegava efetuar esta recolha por motivos de segurança e para evitar fraudes online. Após a fotografia da íris, cria-se um “bilhete de identidade digital” chamado World ID que prova que aquela pessoa é real e única. Após esse processo, a empresa compromete-se a apagar as fotografias e dados biométricos recolhidos e nega a possibilidade de venda a outras entidades.
Apesar das garantias dadas pela empresa, continua a haver dúvidas sobre o tratamento dado aos dados biométricos que foram “vendidos”. Nas redes sociais, começaram a surgir teorias e hipóteses, com muitos a suspeitarem que esta entrega de informação pessoal pode tornar-se prejudicial no futuro, com os dados a serem usados de forma indevida ou em ações que podem trazer danos ou limitações ao indivíduo.
A Worldcoin Foundation garante que os operadores dos stands estão informados para a necessidade de confirmarem a idade dos voluntários, além de que todas as pessoas têm de assinar um formulário de consentimento no qual garantem terem mais de 18 anos. Ainda assim, muitos denunciam a abordagem feita diretamente aos mais novos que passam pelos stands, aliciando-os com criptomoedas e sem que seja dado o tempo necessário de ponderação, uma vez que a recolha dos dados é feita logo de seguida no local.
“A grande afluência de pessoas, incluindo de menores, para aderir ao projeto Worldcoin e receber ‘tokens’ (criptomoeda) levou à necessidade de marcação prévia do processo de registo e recolha dos dados biométricos”, destaca a CNPD no comunicado em que anuncia a suspensão da atividade da empresa, sublinhado que não há “qualquer mecanismo de verificação de idade dos aderentes”.
Portugal segue o que já foi feito noutros países
A suspensão temporária da atividade da empresa em Portugal segue o que está a ser feito noutros países. Em março, França, Alemanha, Índia, Brasil e Quénia levantavam suspeitas sobre a empresa e suspendiam a atividade nos seus territórios. A Agência Espanhola de Proteção de Dados (AEPD) ordenou no início do mês a suspensão da atividade da empresa depois de, no dia 20 de fevereiro, ter anunciado a abertura de uma investigação à atividade da empresa na sequência de quatro queixas que tinha recebido. Na altura, a Worldcoin acusou a AEPD, de “contornar a lei” da União Europeia e divulgar “afirmações imprecisas e equivocadas” sobre a sua tecnologia.
Resta saber que futuro terá a Worldcoin e, mais importante, se os dados biométricos cedidos serão realmente protegidos ou usados indevidamente sem autorização de quem os cedeu.