Não há volta a dar: o digital, os dispositivos eletrónicos e as redes sociais fazem parte da nossa vida. Principalmente da dos nossos filhos que, ao contrário de nós, já nasceram numa era em que estamos todos “ligados”, a quase toda a hora. As redes sociais garantem essa ligação, e há sempre tanto a acontecer.
É precisamente esta ideia que pode levar a um receio exagerado de estar a perder algo interessante nos instantes em que se está offline. A este receio deu-se o nome FOMO (sigla de “fear of missing out”, ou seja, numa tradução à letra, medo de perder algo).
Para o psicólogo clínico João Faria, coordenador do Núcleo de Intervenção no Comportamento Online no Pin – Progresso Infantil, é importante perceber, antes de mais, que o FOMO “não é um problema de adição à Internet ou ao telemóvel, mas uma perturbação de ansiedade”, muito alimentada pelas redes sociais e com grande prevalência entre os jovens.
Porque é importante fazer essa distinção?
A pessoa que desenvolve FOMO sente que está a perder coisas que são absolutamente fundamentais para a sua existência e para se manter integrada. E, normalmente, este “medo” de ficar de fora do mundo online é muito real. Mas, atenção, devemos falar em ansiedade e não em medo já que se trata de uma ameaça percebida [pelo indivíduo] e não obrigatoriamente real – que é o que distingue precisamente a ansiedade do medo.
Esta perturbação atinge maioritariamente os jovens?
Não sendo exclusiva dos pré-adolescentes e adolescentes, eu diria que tem mais prevalência nestas idades porque, do ponto de vista do desenvolvimento psicossocial, nesta etapa da vida há um movimento fortíssimo de aproximação aos pares/grupos e de afastamento da família. Os grupos são identitários, dão estrutura, permitem que me expresse, portanto, pertencer a um grupo é muito importante, e ficar de fora é catastrófico. Neste caso específico da perturbação de ansiedade, ficar de fora do que se está a passar online dá a clara sensação de que me vou perder do ponto de vista social.
Quando um jovem está, por exemplo, na sala de aula, está com o seu grupo. Mesmo assim pode sentir-se “de fora”?
Estar na sala de aula com os colegas não significa que não estejam a acontecer coisas com outros colegas. Até com os que estão na mesma sala! Este está a ser um dos maiores desafios das escolas: como gerir estes dispositivos eletrónicos, como lidar com aquilo que se passa em cima e por baixo das mesas. Muitos dos miúdos com que falo admitem que trocam mensagens nas aulas e que, se lhes proibem o uso do telemóvel, por exemplo, arranjam formas ardilosas de continuar a trocar mensagens, como aceder ao Whatsapp Web no computador.
Então, se o FOMO está relacionado com a integração, os pais terão de olhar para isto de outra perspetiva, e não como um problema “da internet” ou um “vício do telemóvel”?
O que está verdadeiramente por trás – seja por inabilidade social, seja por exacerbação percetiva do que o grupo vai pensar de mim – é a ideia de abandono, do isolamento, do “ficar de fora”. É por isso que tem precisamente este nome.
Diz que é complicada a intervenção psicológica dentro desta perturbação. Porquê?
Porque, em última análise, o que vamos precisar de fazer com estes jovens ou adultos é expô-los à ideia de que ter perdido conteúdos não ameaça a sua interação nos grupos de referência. Isto vai significar expô-los à “abstinência” daqueles dispositivos, o que, por si só, para eles, é esmagador.
A que sinais de alerta os pais e os adultos que têm uma relação com os jovens devem estar atentos?
Giram muito em torno da relação que têm com os dispositivos eletrónicos. Por exemplo, a diminuição cada vez mais frequente do tempo que dedicam a outras atividades que não o smartphone ou o computador; jantarem depressa para saírem rapidamente da mesa ou pedirem frequentemente para ir à casa de banho, onde demoram cada vez mais tempo para se porem a par do que se passou entretanto. Mas eu diria que o sinal mais gritante é a forma como reagem quando lhes é retirado o acesso aos dispositivos. Se o fizerem de forma muito intensa, deprimida, violenta ou até agressiva, trata-se de um enormíssimo sinal de alerta.
Segundo um estudo realizado pela Dove em 2023 sobre o impacto das redes sociais, 9 em cada 10 jovens portugueses usam redes sociais desde os 13 anos; 86% admite estar viciado e 8 em cada 10 prefere comunicar pelas redes sociais, em vez de cara a cara
E como é que os pais devem reagir perante esses sinais de alerta?
Se tentaram aplicar estratégias de regulação – como combinar com os filhos o tempo de ecrã, o acesso aos conteúdos e a realização de tarefas alternativas para não estarem sempre ligados – e verificaram melhorias no comportamento dos filhos, provavelmente, a condição não chegou a transformar-se em FOMO. Se, feito isto, verificaram que não está a funcionar, penso que os pais devem pedir ajuda clínica, já que estamos a falar de uma perturbação de ansiedade. Por vezes é necessária, inclusive, uma intervenção psicológica e farmacêutica.
Quando falamos de adolescentes, poderá ser difícil distinguir se o tal comportamento ansioso se deve à “ligação” a estes dispositivos ou à própria adolescência, que por si só se caracteriza por uma certa ansiedade, não?
As emoções exageradas fazem muito parte deste quadro. Mas um jovem que está a viver os desafios da sua idade e gere as emoções de forma regulada não tem necessidade de sair disparado das aulas para ir para o smartphone. É preciso um olhar mais fino e uma parentalidade consciente e atenta às nuances. Se os pais já chegaram, entretanto, ao patamar do “policiamento” é porque alguma coisa não está bem – os pais devem ser supervisores, não polícias. Uma parentalidade demasiado rígida ou flexível pode dar maus resultados.
Mas não é fácil definir os limites. Por exemplo, devemos ou não saber a password do telemóvel dos filhos?
A partir de uma certa idade, o jovem tem direito à sua privacidade para ficar descansado sabendo que ninguém irá entrar no seu telemóvel sem o seu consentimento, mas é importante praticar desde cedo o lema “quem não deve, não teme”. Isto quer dizer: tu tens a tua password e eu não sei qual é, mas quando eu, como pai ou mãe, quiser saber o que se passa contigo ou por onde andas a navegar, eu tenho esse direito. É importante explicar que não vai pedir-lhe a password nem ver as suas conversas privadas, mas vai querer ver, provavelmente, a sua navegação, como quereria saber em que rua anda quando vai a algum sítio com os amigos ou que filme vai ver ao cinema para perceber se é adequado para a sua idade. A privacidade do jovem deve ser respeitada, assim como a supervisão pela parte dos pais deve estar garantida.