O processo de criação da coreografia faz-se através de residências artísticas dos bailarinos Marina Nabais e Ricardo Machado, de oficinas com jovens estudantes ou de caminhadas coletivas e a estreia do espetáculo acontece a 28 de abril, em Aveiro.
“Vamos recolhendo movimentos, desenhos, palavras, depoimentos e descobrindo como é que, através dos pés, há aqui realmente uma mudança”, afirmou à agência Lusa Marina Nabais.
Refletir sobre a liberdade individual e coletiva é o principal objetivo do projeto, que coincide com as celebrações dos 50 anos do 25 de Abril, um marco histórico que evoca a experiência de se ser ou não livre.
No renovado Teatrinho da Régua, pés e mãos das estudantes e dos artistas ligam-se à terra que ali foi colocada no chão. Entre caminhadas pelo espaço, a terra vai servindo de elo entre a natureza e os participantes no projeto que a Associação Cultural Marina Nabais está a desenvolver em conjunto com as escolas, a comunidade local e a parceria do Museu do Douro, sediado no Peso da Régua, distrito de Vila Real.
A Lusa assistiu a uma das oficinas participadas por oito alunas do 12.º ano do Agrupamento de Escolas João Araújo Correia.
“Está a ser melhor do que quilo que eu esperava. Vinha para aqui sem vontade e estes dias têm sido espetaculares. É diferente, é uma tarde passada a correr”, afirmou Matilde Santos, de 18 anos.
A estudante explicou que as atividades passam pela dança, escrita, contacto físico com os outros participantes, e a sua preocupação era “o julgamento”.
“Era estar a fazer algum movimento, alguma dança, alguma característica minha que fosse julgada por outras pessoas. Mas agora já não, quando estou aqui tudo passa”, salientou.
No teatrinho ou antes no espaço do serviço educativo do Museu do Douro, os participantes movem-se pelo espaço, cruzam-se, dançam, deixam-se cair no chão, fecham os olhos e sentem tudo o que os rodeia.
As atividades incluíram uma caminhada em silêncio e um momento de escrita junto ao rio Douro, aproveitado por Matilde para ultrapassar memórias tristes naquele local.
Ao desafio para uma oficina de dança, Carolina Conceição, de 17 anos, respondeu que sim e ali está a aprender a libertar-se mais.
“Aprendemos a concentrarmo-nos mais em nós próprias e em conjunto”, explicou, revelando em jeito de brincadeira que descobriu ter “46 ossos nos pés”.
A oficina é dinamizada por Clara Bevilaqua que explicou que ali “se dança a dança que há no corpo de cada uma”.
“Trabalhamos a partir da dança, com esse acesso entre a dança, as artes e a escrita, nos conteúdos de fundo dessa criação que é ‘Com os pés'”, salientou.
O ponto de partida são os pés. “Os pés enquanto um lugar de aterrar, enquanto suporte do próprio corpo, enquanto possibilidade de travessias, de caminhadas. […] Os pés com essa possibilidade de viajar, de crescer, de descobrir novas coisas”, sublinhou Clara Bevilaqua.
Esta é uma investigação partilhada em que todos são cocriadores e o resultado vai ser um espetáculo de dança, que aposta no movimento e mistura com o teatro, sonoplastia e elementos cénicos.
Marina Nabais disse que, mais do que uma mensagem, a criação quer deixar perguntas e curiosidades sobre “esta relação mais íntima e interna com o corpo, a relação com o exterior e sempre numa espécie de homenagem à própria natureza”.
A associação e a Fundação Museu do Douro colaboram há 14 anos. Marisa Adegas, do serviço educativo do Museu do Douro, realçou a ligação à comunidade e disse que se pretende que os residentes tenham cada vez mais consciência do lugar que habitam, que o conheçam, o explorem e o reinventem.
Para além da Régua, as residências e as oficinas decorrem em Setúbal, Almada, Aveiro e Mértola.
“Com os pés” é um projeto apoiado pela Direção-Geral das Artes.
*** serviço áudio disponível em www.lusa.pt ***
*** Paula Lima (texto) e Pedro Sarmento Costa (fotos), da agência Lusa ***
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