O assédio no trabalho pode ser difícil de reconhecer e de demonstrar, afirma a Ordem dos Psicólogos, apesar da sua prevalência e consequências (afeta uma em cada cinco pessoas empregadas, de acordo com um estudo global realizado em 2022 pela Organização Internacional do Trabalho, o primeiro do género).
Por isso, “é ainda pouco denunciado ou acaba mesmo por resultar, por falta de provas, em retaliações para com os trabalhadores e trabalhadoras que são vítimas de assédio ou para com as testemunhas”, lê-se num documento publicado esta semana pela entidade.
O mesmo relatório defende que “recentemente, as situações de assédio sexual têm sido mais debatidas na esfera pública – em grande parte, devido aos recentes movimentos globais, Me too e Time’s Up, que denunciaram um enorme conjunto de casos de assédio sexual” – e que, por isso, já é mais “reconhecido e recebe um grau maior de reprovação social”.
O mesmo não se aplica às situações de assédio moral, defende a Ordem dos Psicólogos, que podem ser mais subtis e difíceis de reconhecer pela própria pessoa e, ao mesmo tempo, mais difíceis de denunciar.
Apesar disso, muitas empresas já dispõem de códigos de conduta para situações de assédio
sexual e moral que incluem diferentes procedimentos e canais de denúncia.
O relatório, que pretende ser uma ajuda para quem sofre assédio no trabalho, também designado por Mobbing, e que não sabe como agir, inclui uma série de perguntas e respostas úteis. Deixamos algumas delas:
O que é o assédio no trabalho?
O assédio no trabalho refere-se a ações (palavras, atitudes, comportamentos) praticadas com a intenção de degradar, humilhar, intimidar ou manipular uma pessoa no seu local de trabalho, resultando num ambiente de trabalho intimidatório, hostil, humilhante e desestabilizador e impactando negativamente a dignidade, o bem-estar ou a integridade física ou psicológica de um trabalhador ou trabalhadora. Pode ser um incidente único ou um padrão de comportamento que se repete.
Esta é também uma forma de violação dos direitos humanos e de discriminação. Pode acontecer a qualquer pessoa, em qualquer tipo de trabalho e ocorrer presencialmente ou à distância (por exemplo, através de emails, telefonemas, mensagens ou redes sociais). Pode ainda ser dirigido a uma pessoa ou a um grupo de pessoas.
Quem são as vítimas e os agressores?
O assédio no trabalho pode ocorrer entre pares, ou seja, pessoas no mesmo nível hierárquico (assédio horizontal), entre trabalhadores e/ou superiores hierárquicos (assédio vertical) e envolver até pessoas exteriores à organização, que por diversos motivos mantêm uma relação com a mesma (por exemplo, clientes ou fornecedores).
Assim, qualquer um pode ser uma vítima ou um agressor, embora as situações de assédio vertical
descendente (situações em que o agressor é um superior hierárquico) sejam as mais frequentes.
Um terceiro grupo intervém nas situações de assédio no trabalho: as testemunhas. Estas podem ter
dificuldade em apoiar o colega que está a ser vítima de assédio, quer por dificuldade em reconhecer o
problema, quer por receio de represálias, aspetos que podem contribuir para uma “cultura de silêncio”
na organização e para perpetuar o problema.
Existem diferentes tipo de assédio no trabalho?
Falamos de assédio moral (também designado por Mobbing) quando factos repetidos constituem uma ameaça (ou percepção de ameaça) à integridade física e psicológica da pessoa.
Já o assédio sexual refere-se a situações em que tais factos incluem elementos de carácter sexual, verbal ou não-verbal, percebidos pela pessoa como indesejados e abusivos.
O assédio moral e o assédio sexual podem ainda coexistir – sempre que o comportamento de assédio moral envolva elementos de carácter sexual.
Como reconhecer situações de assédio no trabalho?
O assédio no trabalho pode traduzir-se numa grande diversidade de ações, que incluem atos de violência, intimidação, controlo e isolamento. Por exemplo:
- Conduta agressiva ou intimidatória;
- Ameaças explícitas à integridade física da pessoa;
- Estabelecer sistematicamente metas e objetivos impossíveis de atingir ou prazos inexequíveis ou pedir sistematicamente trabalhos urgentes sem necessidade;
- Atribuir sistematicamente funções estranhas ou desadequadas à categoria profissional, não atribuir sistematicamente quaisquer funções ao trabalhador ou dar sistematicamente instruções de trabalho confusas e imprecisas;
- Desprezar, ignorar ou humilhar, forçando o isolamento da pessoa;
- Fazer sistematicamente críticas em público;
- Fazer piadas com conteúdo ofensivo referentes ao sexo, raça, opção sexual ou religiosa, deficiências físicas, saúde, etc;
- Fazer comentários indesejados, descontextualizados e inapropriados acerca do corpo, roupa ou aparência da pessoa;
- Contactos físicos indesejados e inapropriados.
A Ordem dos Psicólogos esclarece ainda que as situações de assédio no trabalho, especialmente as de
assédio moral, podem ser difíceis de reconhecer pela própria pessoa ou por colegas.
Por exemplo, em alguns casos, os trabalhadores poderão ter dificuldade em distinguir situações de assédio, situações de conflitos e exercício do poder hierárquico.
Algumas questões simples que podem ajudar a identificar uma situação de assédio:
– O comportamento é incómodo, ou seja, deixa-o desconfortável?
– O comportamento é repetido, ou ocorreu um incidente único com gravidade?
– O comportamento é indesejado?
– O comportamento afeta a sua dignidade ou bem-estar físico ou psicológico?
– O comportamento cria um ambiente de trabalho intimidatório, hostil, humilhante e desestabilizador?
Como se pode lidar com uma situação destas?
“Pode ser difícil optar por fazer uma queixa, sabendo que se trata de situações difíceis de provar e que, lamentavelmente, podem ter consequências negativas para quem as denuncia”, lê-se no documento.
“Ninguém é obrigado a realizar uma denúncia – cada pessoa tem o direito a escolher denunciar ou não – porém, o aumento da visibilidade destas situações e a responsabilização dos seus autores pode contribuir para a diminuição do assédio no trabalho”, acrescenta o relatório.
A Ordem dos Psicólogos explica ainda que “a melhor decisão depende de vários fatores e que pode ser útil
procurar apoio especializado”, mas independentemente da decisão que se venha a tomar, pode ser importante:
- Registar, ativamente, situações de assédio no trabalho. Caso consideremos que estamos a ser expostos a situações de assédio, pode ser importante registá-las, tomando nota das datas, comportamentos, comentários, etc. e, caso se aplique, guardando provas como e-mails ou SMS, por exemplo. Fazer este tipo de registos não apenas pode ajudar a recordar detalhes que poderão ser importantes em caso de denúncia, mas ainda ajudar a reagir emocionalmente à situação;
- Estabelecer limites. Imediatamente após a situação, é importante manifestar explicitamente que o assédio é inaceitável. Sempre que sentirmos como seguro fazêlo, devemos deixar claro perante o agressor que não aceitamos o comportamento de assédio e que o consideramos desadequado, hostil ou ofensivo. Por exemplo, dizer “essa forma de comunicação não é aceitável, é ofensiva para mim” ou “por favor, não fale comigo dessa forma”.
- Conhecer em legislação em vigor. Em Portugal, a proibição do assédio no trabalho é expressamente prevista na lei, constituindo prática proibidas no Código do Trabalho e no Regime de contrato de Trabalho em Funções Públicas. A vítima pode pedir uma indemnização por danos patrimoniais (perdas materiais, por exemplo) e morais (como a dor ou a vergonha sofrida) e/ ou pedir a rescisão do contrato com justa causa, quando o assédio é praticado pelo empregador ou por um seu representante. A lei prevê ainda que tanto o trabalhador que denuncia como as testemunhas não podem ser alvo de sanções disciplinares pelas declarações que prestaram no processo. O despedimento ocorrido até um ano depois de um trabalhador ter denunciado uma situação de assédio presume-se abusivo. Parte-se do princípio de que foi provocado pela denúncia e terá de ser a entidade patronal a provar que assim não foi. Porém, a prática de assédio não constitui um crime público, e como tal, depende de queixa da própria vítima (e não de terceiros);
- Saber como apresentar queixa. Os sites da Autoridade para as Condições do Trabalho (para o setor privado) e da Inspeção-Geral de Finanças (para o setor público) disponibilizam a informação sobre a identificação de práticas de assédio e medidas de prevenção e combate ao assédio no trabalho. Também estão aptos para receber as queixas de assédio, possuindo formulários próprios para queixas e denúncias. As vítimas podem ainda contactar a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, recorrer aos tribunais, a portais de denúncia da própria organização ou à ajuda de centrais sindicais, como a CGTP ou a UGT.
Em Portugal, o assédio no trabalho é muito frequente?
Não existem, no País, estatísticas precisas acerca do assédio no trabalho, seja ele físico, psicológico ou sexual, mas os números mais recentes, de 2016, indicam que 16,5% dos trabalhadores portugueses já vivenciaram uma situação de assédio moral no trabalho e 12,6 % refere já ter sido vítima de assédio sexual no local de trabalho.
Já a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) registou, em 2022, 160 queixas de assédio sexual e assédio moral, um crescimento de 166% em relação a 2019. No entanto, e embora a tendência de denúncia esteja em claro crescimento, metade das vítimas acaba por não apresentar queixa às autoridades. Portanto, muitos destes casos não são registados de forma oficial, acrescenta o mesmo relatório.