Começa esta quarta-feira (13h30), no tribunal de Sintra, o julgamento das agressões entre Cláudia Simões e os PSP Carlos Canha, João Gouveia e Fernando Rodrigues, na sequência de uma detenção violenta, na Amadora, que acabaria por se tornar viral nas redes sociais, e destacada pelos media.
O agente Carlos Canha responde por três crimes de ofensa à integridade física qualificada, três de sequestro agravado, um de injúria agravada e um de abuso de poder. Também os agentes João Gouveia e Fernando Rodrigues estão acusados de um crime de abuso de poder, por não terem atuado para impedir as alegadas agressões do colega à vítima.
Numa primeira reação ao caso, o então diretor nacional da PSP, Magina da Silva, desvalorizou o episódio – dizendo não ter visto “qualquer infração” no vídeo da detenção, mas apenas “um polícia a cumprir as suas obrigações e as normas que estão em vigor” na polícia. O tribunal teve outra leitura.
Carlos Alexandre testemunha a favor de PSP
O PSP Carlos Canha respondeu com uma queixa contra Cláudia Simões, alegando que esta mordeu-lhe as mãos e que “auto-infligiu” os ferimentos de forma consciente, para se libertar. Canha conta com o apoio do juiz Carlos Alexandre (que será sua testemunha abonatória), com quem privou durante vários anos, pois foi seu segurança pessoal (quando pertencia à Unidade Especial de Polícia e ao Corpo de Segurança Pessoal da PSP), antes de ser colocado na esquadra de Casal de São Brás, na Amadora.
As acusações contra Cláudia Simões chegaram a ser arquivadas pelo Ministério Público e pelo juiz de instrução do Tribunal da Amadora, mas, após recurso – que indica que a acusada “se mostrou agressiva” e “mordeu o agente” –, a segunda instância decidiu acompanhar as queixas de Carlos Canha, e levá-la a julgamento.
A decisão motivou a contestação pública de um grupo de cidadãos – constituído por figuras anónimas e públicas –, que publicou, no jornal Público, um manifesto em defesa de Cláudia Simões. O documento, intitulado “Criminalizar vidas negras para absolver o sistema”, defende que “criminalizar a vítima parece servir para desculpabilizar o agressor, trilhando um caminho para a absolvição pública e judicial do agente Carlos Canha, mas sobretudo do sistema”.
O caso: violência na Amadora
O factos remontam ao dia 19 de janeiro de 2020, quando Cláudia Simões, então com 42 anos, se envolveu numa discussão entre passageiros e o motorista de um autocarro da Vimeca, pelo facto de a sua filha, à época, com apenas oito anos, se ter esquecido do passe. Chegados ao destino, o motorista decidiu chamar a polícia. Após alguns momentos de tensão, o agente Carlos Canha decidiu deter Cláudia Simões, junto à paragem do autocarro.
O vídeo desta detenção tornar-se-ia viral. Cláudia Simões, deitada no chão, seria manietada, durante largos minutos, pelo agente da PSP, perante os comentários (a favor e contra a ação) das testemunhas no local, que filmaram tudo. Por volta das 20h58, a detenção seria consumada, apesar de o relatório da PSP referir que apenas às 21h16 Cláudia Simões foi algemada, com as mãos atrás das costas, e levada para o interior do carro-patrulha da PSP – que, entretanto, chegara ao local com mais dois agentes. Ali, Cláudia Simões alega ter sido violentamente agredida e insultada pelo mesmo polícia, durante, pelo menos, meia-hora. “Grita agora, sua filha da p***, preta, macacos, vocês são lixo, uma merda”, terá gritado Carlos Canha, ao esmurrar a mulher.
Deixada inconsciente à porta da esquadra da PSP, em Casal de São Brás, Cláudia Simões seria transportada para o Hospital Amadora-Sintra, pelos Bombeiros Voluntários da Amadora, entretanto chamados ao local. Deu entrada naquela unidade hospitalar às 22h18. Foi diagnosticada com um traumatismo crânio-encefálico com ferida. O rosto, desfigurado, demorou dias a sarar e denunciou a violência das agressões.
O motorista da Vimeca envolvido neste caso ainda seria vítima de violentas agressões, em Massamá (Sintra), na semana seguinte, cometidas por desconhecidos.