A recusa de muitos médicos em fazer mais do que as 150 horas anuais de trabalho extraordinário levou o hospital Santa Maria Maior de Barcelos a encerrar a urgência de cirurgia durante o mês de outubro e a manter a especialidade de medicina interna durante os dias de semana, fechando-a no fim de semana, a partir de 7 de outubro. De acordo com uma circular informativa assinada pela diretora de serviço de urgência, Helena Martins, a que a VISÃO teve acesso, estas medidas surgem “no contexto da indisponibilidade de vários médicos para a realização de trabalho extraordinário”.
Isto, de acordo com fontes hospitalares, vai provocar a transferência de muitos doentes para os hospitais de Braga e, provavelmente, Porto. “A questão é que os médicos que se mantêm a trabalhar, muito provavelmente vão avançar com o pedido de escusa de trabalho além das 150 horas, uma vez que não vão conseguir dar resposta aos doentes da sua área e aos que deverão chegar de Barcelos”, referiu à VISÃO um médico.
Esta sexta-feira, o ministro da Saúde já tinha admitido existir o risco de algumas urgências fecharem devido à recusa dos médicos fazerem horas extras além das obrigatórias, mas assegurou estar a trabalhar para garantir o normal funcionamento destes serviços. Questionado à margem do Global Health Fórum, que decorre no Centro de Congressos do Estoril, se esta situação pode fechar serviços de urgência, o ministro da Saúde, Manuel Pizarro, afirmou que não pode dizer que “esse risco não existe”, mas estão “a trabalhar em cada um desses locais em diálogo com os profissionais, procurando assegurar que as equipas continuam a funcionar, não ignorando as dificuldades”.
“Desde sempre, o funcionamento dos serviços esteve dependente, como está hoje da disponibilidade dos médicos para realizarem o trabalho extraordinário, esse risco evidentemente eu não posso dizer que não existe”, disse Manuel Pizarro.
Contudo, reafirmou: “Estamos a trabalhar para garantir que os serviços funcionem da forma possível, em cada local, com as adaptações e as contingências que venham a ter que ser necessárias em função das daquilo que aconteceu”.
Questionado sobre a hipótese defendida pelo presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, Xavier Barreto, da criação de equipas dedicadas às urgências, com várias especialidades, em que a pessoa presta serviço de urgência em horário normal, com um regime de incentivos próprios, o ministro disse que é uma das medidas que está a ser preparada com a criação dos Centros de Responsabilidade Integrados (CRI) nos hospitais.
Por sua vez, a Federação Nacional dos Médicos (FNAM) avisou que se acumulam “episódios dramáticos, com mais de duas dezenas de hospitais em risco de ficarem sem serviços de urgência”, sendo já mais de 1.500 médicos que, em todo o País, entregaram as declarações manifestando indisponibilidade para fazer mais do que o limite legal de 150 horas suplementares por ano.
Por sua vez, o diretor executivo do Serviço Nacional de Saúde, mostrou-se preocupado com a recusa de muitos médicos em fazer horas extraordinárias, considerando que essa ação pode colocar em causa a resposta aos utentes, que não têm alternativas.
“Estou seriamente preocupado”, admitiu Fernando Araújo, comentando o apelo partilhado por muitos médicos nas redes sociais para recusar cumprir, a partir de outubro, mais do que as 150 horas extraordinárias anuais que são obrigatórias.
O protesto “está a tornar-se um movimento inorgânico e depois é mais difícil dialogar” porque não se trata de uma greve em que há sindicatos organizados, que negoceiam serviços mínimos, considerou o diretor executivo do Serviço Nacional de Saúde (DE-SNS).
“Este tipo de abordagem pode pôr em causa o serviço de urgências e depois não há alternativas, nem públicas nem privadas, para os utentes”, disse Fernando Araújo.
“Se não tivermos os hospitais do nosso lado não é possível haver uma reforma”, salientou o responsável, num debate que incluiu o ex-dirigente social-democrata Luís Marques Mendes, também atual conselheiro de Estado e que considerou que “o problema que existe hoje no SNS não é técnico, é político”, e que “sem abrir os cordões à bolsa” não é possível resolver o “clima de crispação” atual com os profissionais de saúde.
“Hoje, há uma “crise séria nos hospitais”, relacionada com a recusa dos médicos em fazer horas extraordinárias nas urgências e Marques Mendes disse temer que os próximos dias sejam “muito difíceis” para os utentes.