Depois da “invasão” na livraria Almedina Rato, em Lisboa, no passado domingo, a apresentação do livro “No Meu Bairro”, na Fundação Saramago (Casa dos Bicos) – agendada para esta sexta-feira –, motivou um novo protesto contra esta obra, com textos de Lúcia Vicente e ilustrações de Tiago M.
A manifestação foi convocada, nas redes sociais, pelo partido ADN – Alternativa Democrática Nacional, presidido por Bruno Fialho, e contou ainda com a presença de outro grupo inorgânico, conhecido por promover, no Telegram, conteúdos nacionalistas e conservadores (e anti-LGBTQI+ e anti-imigração), e que tinha sido o responsável pelos protestos anteriores.
Com cartazes, e palavras de ordem como “deixem as nossas crianças em paz”, cerca de meia centena de pessoas reuniu-se à frente à Casa dos Bicos. Chegaram a ocorrer provocações com quem passava por ali, trocas de argumentos acalorados, insultos pontuais, mas todos os momentos de maior tensão acabaram rapidamente resolvidos pelas forças policiais – a PSP marcou presença, de forma musculada, no evento; os responsáveis pelo protesto foram identificados pelas autoridades.
À VISÃO, Margarida Oliveira, conselheira nacional do ADN, conhecida por estar associada ao movimento Médicos pela Verdade, que se opunha às medidas do Estdo no âmbito da pandemia de Covid-19, defendeu que “esta ação não é contra os homossexuais” mas sim “contra a sexualização e a endoutrinação precoce” das crianças. “Deve-se formar crianças e não formatá-las. Esta situação tem confundido muitas crianças e vai, certamente, trazer muitos problemas no futuro. É antinatural e desumano; atenta contra os direitos humanos das crianças”, afirma a dirigente do ADN.
Lotação esgotada
Muitos dos que queriam assistir à apresentação do livro de Lúcia Vicente, tiveram de ficar do lado de fora. A sala na Fundação Saramago, onde decorreu a sessão, rapidamente esgotou. À VISÃO, a autora manifestou-se “satisfeita com a aceitação da obra”, nestas últimas semanas. Apesar das atribulações – que prefere não comentar –, Lúcia Vicente revela que “muitas pessoas” lhe têm transmitido “que este livro teria, anos atrás, feito com que fossem crianças mais integradas e felizes”.
“O objetivo do livro é mesmo este. Que as crianças questionem o mundo, que outras se sintam mais integradas, mais felizes, realizadas consigo próprias. Que percebam que uma família pode ter muitas formas, que os contextos e as experiências podem ser muito diferentes. Que elas própria podem ser o que desejam”, diz.
Lúcia Vicente destaca que “a sociedade está em transformação e que é necessário acompanhar e perceber essa mudança. O livro é também esse sinal de mudança”, conclui.
O livro “No Meu Bairro” é um projeto sobre inclusão e diversidade, que reúne 12 pequenas histórias de ficção em rima, protagonizadas por crianças, e aborda temas diversos, como o ativismo, o racismo, a identidade de género, a religião ou o bullying. Os protestos contra a obra têm-se multiplicado nas redes sociais, nomeadamente em contas que se assumem como anti-LGBTQI+, situadas próximas do espectro da extrema-direita portuguesa.
O mediatismo em torno destes protestos, tornaram a autora, Lúcia Vicente, num alvo destes grupos, o que levou a que as suas redes sociais fossem invadidas por insultos e ameaças. Lúcia Vicente já admitiu que está a ponderar apresentar uma queixa, no Ministério Público, contra os responsáveis destas ações.
O presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, já tinha reagido aos protestos de domingo, em torno deste livro, criticando a atitude dos manifestantes, e classificando o caso como “inaceitável”.
“Ontem, numa livraria de Lisboa, a apresentação pública de um livro (no caso, ‘No meu bairro’), foi interrompida violentamente por um grupo de desordeiros, que ameaçaram autores, editores, livreiros e público. Isto é absolutamente inaceitável”, escreveu, na última segunda-feira, na passada Santos Silva, numa publicação na rede social X (ex-Twitter).