Tudo começou no dia 10 de setembro de 1933 em Lwów, cidade polaca, hoje território ucraniano. Andrzej Franciszek Spitzman Jordan nascia no seio de uma família de judeus abastados, produtores de petróleo. Seis anos depois, estavam em fuga pela Europa fora, logo após as tropas alemãs entrarem na Polónia, e vieram parar a Portugal.
A passagem foi breve, mas amizades foram feitas e a ligação ficou. No Rio de Janeiro, André Jordan cresceu numa vida fácil e boémia, ao som da bossa nova. Herdeiro dos negócios do pai, entre o Brasil e os Estados Unidos da América, um dia lembrou-se de Portugal e fez a Quinta do Lago no Algarve.
É em Almancil que vai terminar esta história, num jazigo já comprado. Sem pressas, porque a imensa curiosidade pela vida e pelas pessoas prolonga-lhe os anos, por muito que a “máquina” já acuse algum “desgaste”, contrariando a mente vívida, cheia de histórias para partilhar.
1ª Lição: A hora das mulheres
“Quando comecei a trabalhar, jovem, no Brasil, as mulheres que trabalhavam eram de famílias de classe média que conseguiam um emprego público. Era uma ocupação perpétua, representava até uma espécie de dote que o pai arranjava para a filha – quem casasse com ela tinha ali uma garantia. Na elite, depois do ensino secundário, as meninas não trabalhavam e não estudavam, dedicavam-se às festas e a arranjar um marido”, descreve André Jordan, cujo primeiro emprego foi no Diário Carioca, como jornalista.
“Depois surgiram as mulheres que abriram as boutiques”, continua, lamentando que nos seus dois setores, turismo e imobiliário, sejam raras as mulheres presidentes. Isto “apesar do sucesso indiscutível das mulheres na política e nas empresas e do seu reconhecimento em gerirem empresas e governos, livres como são do domínio do ego, que é, infelizmente, o motivador de muita ação política.”
Como assim, livres do ego? “Elas são inteligentes demais para ter ego – têm vaidade, que é outra coisa”, responde André Jordan, para quem “estamos num processo de transição do poder dos homens para as mulheres”, depositando nelas a “legítima esperança da resolução pacífica de situações de conflito internacional”, sendo necessário “mobilizá-las para as várias frentes que ameaçam a Humanidade, tais como o aquecimento global, a Inteligência Artificial, as migrações causadas pelos conflitos e a fome”. Resumindo: “Enfim, precisamos delas porque, ao que parece, sem elas não somos capazes de chegar a bom porto.”
Assim sendo, e “tendo Portugal algumas personalidades qualificadas pela sua experiência em ocupar a Presidência da República, como Marques Mendes”, é chegado o “momento de termos uma mulher Presidente”.
Quem? “Elisa Ferreira, comissária europeia, é a responsável pelas pastas de Coesão e da Reforma. Em Portugal, foi ministra do Ambiente e do Planeamento, vice-presidente do Banco de Portugal e deputada europeia de grande prestígio no meio. Certamente, haverá também outras mulheres elegíveis”, responde.
2ª Lição: Os “novos” jovens
“É interessante a mudança de comportamento e atitude da geração dos meus filhos e os que são jovens agora. A geração dos meus filhos foi a que se seguiu imediatamente após o período das drogas e do rock’n’roll. A seguir veio uma geração que descobriu que tinha de trabalhar e começou um movimento no sentido da qualificação”, começa por assinalar André Jordan.
O que o surpreende mesmo são as atuais gerações. “Tenho grande confiança nos jovens de hoje, em comparação ao passado recente. São sérios, estáveis, dedicam-se aos estudos… é uma mudança extraordinária. Também do lado sentimental, demonstram muita estabilidade nos seus relacionamentos. Situação muito diferente daquela que descrevi no passado recente.”
O otimismo do empresário é notório quando sublinha que uma boa parte dos jovens atuais “quer dedicar-se ao bem da Humanidade, trabalhando em organizações sem fins lucrativos”. E a esperança renova-se: “Há capacidade para encontrar soluções nas grandes transformações tecnológicas que possam combater as alterações climáticas.”
3ª Lição: A idade maior
“Um estudo universitário, nos Estados Unidos da América, demonstrou que as amizades e a curiosidade são fatores mais importantes para a longevidade do que a saúde. Dar dá mais bem-estar do que receber”, diz-nos André Jordan, mostrando ser um bom “exemplar” para estudo.
“A curiosidade é fundamental. Cada pessoa tem uma história e tem sempre alguma coisa da qual se orgulha, uma realização que se carrega no peito, uma sensação de ter sido importante em alguma circunstância. Por isso, eu digo que há pessoas humildes, mas não modestas. O ser humano é fascinante”, declara, e esse fascínio prolonga-lhe os anos.
“Tendo Portugal algumas
personalidades qualificadas
em ocupar a Presidência da
República, como Marques
Mendes, penso que chegou
o momento de termos uma
mulher Presidente: Elisa
Ferreira, comissária europeia”
Quando começou a envelhecer, e porque “velho dorme pouco”, André Jordan aprendeu a não sofrer com as insónias noturnas. “Vivemos a vida acelerada, não paramos para analisar. Tenho descoberto a razão pela qual certas coisas tinham acontecido e quem as tinha causado. Não me tinha passado pela cabeça e nessa hora fica óbvio. É a hora egocêntrica”, dizia-nos numa entrevista há cinco anos. Essa autoanálise ajudou-o a descobrir a razão de certas coisas terem acontecido na sua vida, ajudou-o a compreender.
Aos 90 anos é diferente. “Já não é a hora egocêntrica, porque já sei tudo a meu respeito. Agora, já penso noutros temas e muito pouco em mim, estou fora do meu corpo, como dizem em inglês desembody. Como tenho muitos problemas de saúde, cuido da dor do meu corpo em declínio, em decomposição. Vejo-me de fora, olho para esse André Jordan que se está deteriorando e esse cuidado toma-me muito tempo. É um cuidado frustrante, mas tem de ser feito, já sabemos que não vai melhorar, mas conserva, statu quo”, relata, sem queixume. É o que é.
Por outro lado… “A minha mente sinto-a melhor, porque tenho muito mais tempo para pensar. Nunca pensei chegar aos 90 anos. Lembro-me que fazer 50 anos era coisa de monta. No Rio de Janeiro, fazia-se um banquete, com discursos… Agora, quem faz 50 anos festeja na discoteca.”
1º Alerta: A inteligência artificial
“Quando comecei a conduzir, o automóvel não tinha direção assistida, mudanças automáticas, vidros automáticos, pisca-pisca… Tínhamos de andar com o vidro aberto para fazer indicação com o braço, por cima do capô, de que iríamos virar à esquerda ou à direita”, começa por contextualizar André Jordan, com uma descrição que certamente fará qualquer jovem mais desprevenido arregalar os olhos.
Isto para dizer que a “inteligência humana superou todas as expetativas”, continua o empresário, não escondendo as suas preocupações. “Quando ouvi, há uns anos, o Stephen Hawking dizer que a Inteligência Artificial provavelmente acabaria com a raça humana, porque o Homem ficaria desnecessário, fiquei muito impressionado com a ideia. Lembrei-me da bomba atómica de Hiroxima e Nagasáqui: o mundo assustou-se e criou-se um acordo de não proliferação. Podemos também fazer um acordo em torno da Inteligência Artificial, para que não ultrapasse uma certa linha. Isso mesmo quer fazer o Presidente dos Estados Unidos da América, Joe Biden, que recentemente chamou os gigantes da tecnologia para tentar um acordo. Eles também estão com medo e começam a perceber que o robô não é coisa de amanhã, é de hoje.”
O transporte evoluiu, mas, para André Jordan, há duas invenções que “alteraram a maneira de viver: a televisão e o telemóvel”. Depois, encontrou-se, ao longo da vida, com “muitos instrumentos inúteis e perdulários – dar corda a um relógio dá assim tanto trabalho?”, pergunta. “Era preciso um digital? E um relógio de 100 euros funciona exatamente da mesma maneira do que um Rolex ou um Patek Philippe… transformou-se numa joia. Há muita tecnologia supérflua e cara. Com o tempo, irá haver uma certa depuração”, resume.
2º Alerta: Trabalho e clima
“A dificuldade do combate ao aquecimento global e às suas consequências está em que esta guerra, indispensável para a vida e o bem-estar, não considera que as consequências desse combate, ao nível das oportunidades de trabalho e subsistência, ficam reduzidas e será preciso encontrar formas de enfrentar essa realidade”, avisa André Jordan.
Um alerta que se resume a estas perguntas: “O que se faz com as pessoas que ficam desempregadas? Vamos salvar o ambiente e deixar as pessoas a morrer de fome?” Embora os “comodistas” digam que essas pessoas arranjam novos empregos, o facto é que “não há novos empregos, a tecnologia está a acabar com os empregos”. Ora, “o que acontece a quem fica descartado? Já não atinge só os velhos, mas a todos. Para se desativar um setor, é preciso haver um planeamento de transição. Mas planear é algo muito raro, é algo que por cá não existe”, nota o empresário, recusando sempre ficar num beco sem saída.
“Espero que apareçam novas tecnologias que resolvam os problemas e minimizem a questão da poluição. Estamos numa corrida contra nós próprios”, conclui.
3º Alerta: Impasses democráticos
“Em Portugal, a atividade mais entusiástica entre os políticos e a sociedade em geral é o impasse. O impasse é paralisante e, como as pessoas não querem realmente resolver os problemas, ou não sabem como resolvê-los, o impasse é o ideal. Discutimos, discutimos, chegamos a uma conclusão, maravilha. Mas, depois, há sempre um fator impeditivo, e é um alívio quando para tudo”, ironiza André Jordan.
Encarar de frente a realidade é complicado, daí a grande “quantidade de assuntos em Portugal que se discutem há anos e não avançam, como a regionalização” ou o Aeroporto de Lisboa. “O povo tem a noção de que a regionalização é algo muito caro e burocrático. Mas não tem de ser. Vejamos: numa região com 10/20 câmaras, haveria um parlamento regional composto por membros eleitos das assembleias municipais. São as mesmas pessoas, não há multiplicação. Cada assembleia municipal tinha direito a ter lá x deputados. É um parlamento legislativo, não executivo. (O custo autárquico seria bem mais barato se as câmaras não estivessem todas a fazer a mesma coisa, como aqui à volta de Lisboa.) O executivo continuava a ser o das câmaras e das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, mas o orçamento e o programa seria votado pelos deputados”, sugere.
Por outro lado, e alertando para o perigo dos populismos, refere a “falha estrutural no sistema democrático, em que 50% e um voto leva tudo”, o que, na sua opinião, “é um absurdo”, já que metade da população fica de fora. “Há países, como a Alemanha e outros, que há anos funcionam com governos de coligação programática. Cada um dos partidos faz concessões no seu programa aos outros, ajustam-se. Por cá devia ser assim. Qual é o problema do bloco central? Isso é realmente dividir o bolo. Não é aliarem-se a partidos extremistas que vai resolver os problemas”, considera.
4º Alerta: Turismo e habitação
“Vejo os meus setores com preocupação”, afirma André Jordan, antes de elencar uma mão-cheia de ideias e sugestões para a área do turismo. A principal é esta: “O Estado não dá um tostão para o turismo, mas regula. Se usasse as receitas do IVA do setor para ajudar na promoção – em marketing e acontecimentos, com a devida aprovação do Turismo de Portugal –, já era uma grande coisa!”
No caso do imobiliário, e falando da crise da habitação, a mesma receita: “A habitação popular ia crescer muito se, dentro de um determinado nível de preços de venda de apartamentos, o Governo abolisse o IVA.”
Sendo um País de grandes qualidades, um dos nossos defeitos é, para o empresário, a falta de atrações culturais e lúdicas que “atraiam um turismo de melhor qualidade”. “Não tem explicação o facto de não existir um museu dos Descobrimentos; Berlim tem um museu do Holocausto e os alemães não ficam complexados por causa disso. Faltam grandes acontecimentos culturais, instituições, animação.”
Em Lisboa, os grandes navios de cruzeiro, com milhares de passageiros, “não são compensadores” para a economia, além de representarem “uma das atividades mais poluentes que afligem a atmosfera da cidade”. Dessa forma, “deveriam simplesmente ser proibidos, e só seriam permitidos os navios cuja viagem começasse ou acabasse em Lisboa, uma forma de propulsionar ocupação aos hotéis e à restauração”.
Na Avenida da Liberdade, a principal artéria da capital “ocupada por marcas estrangeiras”, André Jordan encontra no Parque Mayer um local que podia ser aproveitado para mostrar e vender “produtos de qualidade e de luxo produzidos em Portugal”.
E o capítulo fica encerrado com um aviso aos promotores turísticos: “O turismo de qualidade é objeto de grandes investimentos em hotelaria, moradias, aldeamentos e todas as espécies de facilidades desportivas e lúdicas, o que deve permitir ao setor pagar salários dignos, evitando o êxodo da mão de obra qualificada nacional.”
Artigo publicado a 17 de setembro de 2023