Catorze anos depois de John Lee Hancok ter realizado o filme Um Sonho Possível (The Blind Side, no original), o ex-jogador da NFL Michael Oher interpôs uma ação contra o casal que supostamente o adotou em jovem.
Segundo Oher, Sean e Leigh Anne Tuohy mentiram-lhe para poderem tornar-se seus tutores legais. O objetivo, de acordo com a acusação? Lucrarem com os contratos e com os patrocínios que acabaram por lhes render milhões de dólares, ao longo da sua carreira na liga de futebol americano.
A história de resiliência do rapaz negro pobre adotado por uma família branca rica de Memphis, Tennessee, tinha todos os ingredientes para dar origem a um livro – e deu. Em 2006, o jornalista e escritor Michael Lewis publicou The Blind Side: Evolution of a Game, em que, além de analisar a maneira como a estratégia ofensiva do futebol americano evoluíra ao longo das três décadas anteriores, contava a ascensão de Michael Oher a estrela do desporto universitário.
Lewis conhecia Sean Tuohy dos seus tempos do liceu. A vida daquele miúdo, filho de uma toxicodependente, que passara a infância e parte da adolescência a fugir das famílias de acolhimento, até encontrar um porto de abrigo junto dos Tuohy, pareceu-lhe inspiradora. Mais ainda quando não teve dúvidas de que havia sido o futebol americano a cimentar a confiança entre eles.
Michael “Big Mike” Oher e Sean Jr. “SJ” Tuohy eram colegas de escola e de equipa. Quando Leigh Anne se apercebeu de que o amigo do filho não tinha para onde ir depois dos treinos, recebeu-o em sua casa. A partir dessa noite, a família (mãe, pai e dois adolescentes) terá feito tudo para fazer-lhe sentir que era bem-vindo.
O miúdo sentia-se tão integrado que, em 2004, nem três meses depois de fazer 18 anos, concordou em ver a sua tutela legal passar para as mãos dos Tuohy. O que não saberia, alega agora, aos 37, é que o documento não o tornava membro da família – apenas passava o controlo total dos seus contratos para as mãos de Sean e Leigh Anne.
RETRATADO COMO POUCO INTELIGENTE
O primeiro sinal de mal-estar entre ele e os pais adotivos surgiu quando Um Sonho Possível, baseado no livro de Lewis, chegou aos cinemas, em 2009. No filme, os Tuohy davam a entender que Oher era pouco inteligente, algo que, segundo o seu advogado, J. Gerard Stranch IV, o entristeceu.

Seria, porém, apenas em 2016, quando parou de jogar futebol profissional, que “Big Mike” se dedicou a investigar o seu passado recente junto dos Tuohy. E aquilo que descobriu tê-lo-á chocado profundamente – Sean e Leigh Anne tinham lucrado milhões de dólares ao longo da sua carreira e, ainda, recebido um bom quinhão com o filme de John Lee Hancok.
Segundo o canal de televisão ESPN, na ação que Oher interpôs agora, pede ao tribunal para acabar com a tutela dos Tuohy, proibi-los de usarem o seu nome e fazer com que lhe paguem a sua parte dos lucros, além de danos não especificados.
“Michael Oher descobriu a mentira [da sua adoção], para seu desgosto e embaraço, em fevereiro de 2023, quando soube que a tutela a que deu o seu consentimento, com base no facto de que isso o tornaria membro da família Tuohy, na verdade não lhe proporcionava qualquer relação familiar com os Tuohy”, lê-se no documento.
De acordo com o mesmo canal de televisão, Oher afirma que nunca recebeu um cêntimo relativo ao filme, que rendeu mais de 300 milhões de dólares de bilheteira. E que os Tuohy e os seus dois filhos biológicos receberam, cada um, 225 mil dólares, mais 2,5% das “receitas líquidas definidas”. Mais: em 2007, o ex-jogador teria assinado um contrato a ceder, sem qualquer contrapartida, os seus direitos à 20th Century Fox.
FAMÍLIA ‘DESVASTADA’
Um dos advogados da família Tuohy, Steve Farese, não quis fazer comentários ao ESPN, dizendo apenas que uma resposta legal será apresentada nas próximas semanas. Mas Sean já veio a público defender-se, dizendo que as alegações de Oher “devastaram” a família.
Ao jornal Daily Memphian, Sean alegou que a tutela era necessária para que Oher pudesse jogar futebol na Universidade do Mississippi. E ainda que toda a gente na família recebeu uma parte igual dos direitos do filme, incluindo Michael. “É perturbador que as pessoas pensem que gostaria de ganhar dinheiro com qualquer um dos meus filhos”, lamentou.
Sean Jr., por sua vez, deu uma entrevista à Barstool Radio, em que garantiu ter ganho apenas “60, 70 mil dólares nos últimos quatro, cinco anos” com o filme. E disse não acreditar que Oher só soube da tutela em fevereiro deste ano. “Voltei a ler as mensagens no nosso grupo de família e há coisas em 2020, 2021, do tipo: ‘Se vocês me derem tanto, então não vou divulgar as coisas’.”
SANDRA BULLOCK PODE PERDER O OSCAR?
A polémica, entretanto, extravasou da esfera dos Tuohy. Para os fãs de Michael Oher, o filme Um Sonho Possível é um alvo a abater e, junto com ele, Sandra Bullock, que interpretou Leigh Anne.
Nas redes sociais, multiplicam-se os apelos para que seja retirado o Oscar atribuído, em 2010, à atriz, uma hipótese rejeitada por Quinton Aaron. O ator, que também brilhou no papel de “Big Mike”, tem-se desdobrado a dar entrevistas a dizer que Bullock não tem nada que ver com a alegada mentira da família Tuohy.
“Há muito ódio a ser espalhado hoje em dia. E há pessoas que dizem coisas como: ‘Oh, talvez devessem retirar o título à Sandra… o seu Óscar’. E eu perguntei-me: ‘Para quê?’”, disse Aaron, ao site da Fox News.
“Nada diz que ela teve alguma coisa que ver com isto. Ela era uma atriz que foi contratada para fazer um trabalho, e fê-lo tão bem que foi recompensada por isso. Por que razão iríamos tirar essa recompensa só por causa do que se está a passar hoje, 14 anos depois?”
Quinton Aaron lembrou ainda que Bullock sofreu uma grande perda recentemente – o seu companheiro, o fotógrafo e ex-modelo Bryan Randall, a quem há três anos tinha sido diagnosticada esclerose lateral amiotrófica (ELA), morreu no dia 5 deste mês. “Parem, deixem-na em paz”, pede, por isso, o ator.