Para arrumar desde já o assunto, comecemos pelo mau feitio. Jorge de Sena era irascível e implacável, não tinha a menor paciência para lidar com a mediocridade e a estupidez. É verdade que a atitude impulsiva tê-lo-á conduzido a cometer algumas injustiças ao longo da vida. Em sua defesa, diga-se que também é verdade que Sena tinha – como poucos – consciência do seu génio e do seu valor. E não o escondia, o que, num País de sonsices e falsas modéstias, tem o seu preço, já se sabe. Espírito ferozmente livre, Sena não tinha medo das palavras. “Eu não preciso que ninguém me diga que sou um dos maiores poetas da língua portuguesa, um dos contistas mais originais, um dos críticos mais sérios e importantes, autor de algum do teatro mais significativo do século. Eu sei que sou”, disse o próprio a Eduardo Lourenço, com quem manteve uma longa e comovente amizade epistolar. A propósito deste assunto, numa outra carta, outro escritor recordado nestas páginas, José Régio, ter-lhe-á lançado: “Nós dois, meu caro Sena, a respeito de megalomania, batemo-nos bem.”
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Jorge de Sena tinha apenas 58 anos quando morreu, a 4 de junho de 1978, depois de ter sobrevivido a um ataque cardíaco, dois anos antes. A vida foi-lhe curta e “pesada”, mas, no pouco tempo que viveu, Sena foi, de facto, tudo isso intensamente: poeta, contista, dramaturgo, ensaísta, crítico, tradutor, prefaciador, novelista e romancista de um romance só (Sinais de Fogo é, ainda hoje, considerado uma das maiores obras da literatura portuguesa do século XX)… “Vingava-se da mesquinhez, produzindo uma obra vasta e de grande qualidade”, comentou Eugénio Lisboa, no Jornal de Letras, em 2019, a propósito do centenário do nascimento do autor de O Físico Prodigioso.