Desenvolve pesquisa na área da infância e, nos anos 90, já tinha até realizado um estudo sobre maus-tratos às crianças na família. Mesmo assim, Ana Nunes de Almeida, 65 anos, investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e membro da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica, diz-se surpreendida com o que encontrou: “Tinha uma espécie de grelha de sofrimento na minha cabeça, que, ao longo dos últimos meses, foi completamente destruída.” Quase três semanas após a apresentação do relatório na Fundação Calouste Gulbenkian, e nas vésperas de o documento ser analisado numa assembleia extraordinária da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), que se realiza nesta sexta, 3, a socióloga continua a dar prioridade às vítimas: “Permitimos que a sociedade portuguesa se confrontasse com aquela monstruosidade.”
Na Polícia Judiciária (PJ) e no Ministério Público (MP), houve quem discordasse do modo como a comissão apresentou o relatório sobre abusos sexuais na Igreja, nomeadamente através da leitura de alguns testemunhos. Porque tomaram essa opção?
Os dilemas éticos acompanharam-nos ao longo de todo o trabalho. O simples facto de os abusos sexuais aparecerem com tanto protagonismo no espaço público veio desassossegar e perturbar o quotidiano de muitas vítimas, que tinham essa experiência devastadora arrumada numa gaveta e que, de repente, são interpeladas pela visibilidade de um trauma terrível que sofreram. Por isso, entre nós, a questão ética foi sempre um tema de debate interno, de ponderação.