Já se passaram mais de três anos, mas as imagens do rosto desfigurado de Cláudia Simões, na manhã do dia 20 de janeiro de 2020, continuam bem presentes na memória coletiva. Agora, a mulher que, alegadamente, foi violentamente agredida pelo PSP Carlos Canha, na Amadora, foi pronunciada, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, pelo crime de ofensa à integridade física qualificada contra aquele agente. Numa primeira fase, as acusações contra Cláudia Simões tinham sido arquivadas pelo Ministério Público e pelo juiz de instrução do Tribunal da Amadora, mas, após recurso apresentado pela defesa do PSP – que indica que esta “se mostrou agressiva” e “mordeu o agente” –, a segunda instância decidiu acompanhar as queixas de Carlos Canha.
O factos remontam ao dia 19 de janeiro de 2020, quando Cláudia Simões, então com 42 anos, se envolveu numa discussão entre passageiros e o motorista de um autocarro da Vimeca, pelo facto de a sua filha, à época, com apenas oito anos, se ter esquecido do passe. Chegados ao destino, o motorista decidiu chamar a polícia. Após alguns momentos de tensão, o agente Carlos Canha decidiu deter Cláudia Simões, junto à paragem do autocarro.
O vídeo desta detenção tornar-se-ia viral. Cláudia Simões, deitada no chão, seria manietada, durante largos minutos, pelo agente da PSP, perante os comentários (a favor e contra a ação) das testemunhas no local, que filmaram tudo. Por volta das 20h58, a detenção seria consumada, apesar de o relatório da PSP referir que apenas às 21h16 Cláudia Simões foi algemada, com as mãos atrás das costas, e levada para o interior do carro-patrulha da PSP – que, entretanto, chegara ao local com mais dois agentes. Ali, Cláudia Simões alega ter sido violentamente agredida e insultada pelo mesmo polícia, durante, pelo menos, meia-hora. “Grita agora, sua filha da p***, preta, macacos, vocês são lixo, uma merda”, terá gritado Carlos Canha, enquanto esmurrava a mulher.
Deixada inconsciente à porta da esquadra da PSP, em Casal de São Brás, Cláudia Simões seria transportada para o Hospital Amadora-Sintra, pelos Bombeiros Voluntários da Amadora, entretanto chamados ao local. Deu entrada naquela unidade hospitalar às 22h18. E, à saída, foi diagnosticada com um traumatismo crânio-encefálico com ferida. O rosto, desfigurado, demorou dias a sarar e denunciou a violência das agressões.
Coincidência ou não, o motorista da Vimeca envolvido neste caso ainda seria vítima de agressões, em Massamá (Sintra), na semana seguinte.
PSP diz que foi “uma queda”, mas três agentes vão a julgamento
Numa primeira reação, o diretor nacional da PSP, Magina da Silva, desvalorizou a questão, dizendo não ter visto “qualquer infração” no vídeo da detenção, mas apenas “um polícia a cumprir as suas obrigações e as normas que estão em vigor” na polícia. O facto de Cláudia Simões ter sido encontrada inconsciente, no exterior da esquadra da PSP, em Casal de São Brás, terá sido justificada com “uma queda” da mulher.
Ainda assim, em junho de 2022 – dois anos e meio após os acontecimentos –, o agente Carlos Canha seria acusado pelos crimes de ofensa à integridade física qualificada, sequestro agravado, abuso de poder e injúria agravada. Também os agentes João Gouveia e Fernando Rodrigues, que chegaram ao local no carro-patrulha da PSP, vão a julgamento pelo crime de abuso de poder e por não terem atuado para impedir as alegadas agressões do colega a Cláudia Simões. Passados três anos destes factos, o julgamento continua sem data marcada.
Entretanto, um grupo de cidadãos – constituído por vários cidadãos e ativistas (figuras anónimas e públicas) publicaram, esta segunda-feira, no jornal Público, um manifesto em defesa de Cláudia Simões. O documento, intitulado “Criminalizar vidas negras para absolver o sistema”, defende que “criminalizar a vítima parece servir para desculpabilizar o agressor, trilhando um caminho para a absolvição pública e judicial do agente Carlos Canha, mas sobretudo do sistema”.