A Polícia Judiciária (PJ) e o Ministério Público (MP) reuniram-se, esta semana, com elementos da Polícia Federal brasileira que alertaram formalmente para a presença em Portugal do Primeiro Comando da Capital (PCC) – a maior e mais perigosa organização criminosa do Brasil – e para a possibilidade de este grupo já estar controlar, quase na totalidade, o negócio do tráfico internacional de drogas que passa pelo país, sabe a VISÃO.
O encontro, realizado à distância – por via telemática –, reuniu numa sala da sede da PJ, na Rua Gomes Freire, em Lisboa, os principais nomes ligados ao combate a este tipo de criminalidade em Portugal e a informação partilhada pelas autoridades brasileiras vem confirmar a notícia avançada pela VISÃO, publicada na edição de 6 de outubro, sobre a presença do PCC deste lado do Atlântico.
Na altura, foi possível confirmar que uma investigação do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), entidade na dependência do Ministério Público (MP) do estado de São Paulo, sob liderança do procurador Lincoln Gakiya, a que a VISÃO teve acesso, deu como provado que, à data de novembro de 2021, pelo menos, 42 membros do PCC viviam em Portugal, e que o risco deste número aumentar era real.
Em declarações à VISÃO, o próprio Lincoln Gakiya – que, nos últimos 17 anos, se tem dedicado, quase em exclusivo, a investigar a atividade do PCC – admitiu, na ocasião, que ainda “não informara” as autoridades portuguesas destas conclusões, justificando essa opção com o facto de “faltarem dados concretos” sobre as identidades dos membros do PCC em Portugal. “Não basta termos um número… (…) Neste caso específico de Portugal, infelizmente, ainda faltam dados concretos. Se temos apenas este número confirmado, não conseguimos informar as autoridades portuguesas”, disse o procurador do MP do estado de São Paulo.
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Queda de “Xuxas”, ascensão do PCC
A informação agora fornecida pela Polícia Federal brasileira à PJ e ao MP surge menos de meio ano depois da prisão de Ruben Oliveira, conhecido por “Xuxas”, considerado o maior narcotraficante português, depois de, alegadamente, se ter tornado (como acreditam as autoridades portuguesas) no principal operacional na Europa da organização liderada pelo narcotraficante Sérgio Roberto de Carvalho, conhecido como “Escobar Brasileiro”, atualmente detido na Hungria.
Estes momentos, aparentemente sem ligação, podem, no entanto, estar relacionados. Segundo a VISÃO apurou, a Polícia Federal brasileira terá transmitido, nesta reunião, às autoridades portuguesas, que as detenções do Major Carvalho – como também é conhecido o narcotraficante brasileiro –, na Hungria, e de Ruben Oliveira, em Lisboa, abriu espaço para a reorganização da rota de tráfico internacional de drogas que atravessa Portugal, passando o PCC a querer ocupar essa vaga.
A polícia brasileira acredita, ainda, que a mediática prisão de “Xuxas” levou o PCC a mudar de estratégia para Portugal, optando agora por não recrutar nacionais dos países de destino para colaborarem com a organização (incluindo portugueses), preferindo fixar cidadãos brasileiros com estatuto de membros “batizados” do grupo deste lado do Atlântico.
A presença e o crescimento desta organização criminosa em Portugal terá mesmo sido descrita como “preocupante” pelas autoridades brasileiras, contribuindo para que os elementos da PJ e MP se mostrassem apreensivos no final do encontro. O objetivo não é novo: utilizar o país como “porta de entrada” para a Europa da cocaína oriunda da América do Sul.
PCC: os “donos” do crime
O PCC nasceu em 1993, no interior das prisões do estado de São Paulo, como uma espécie de “sindicato” dos presos, na ressaca do episódio que ficaria recordado na memória coletiva como Massacre do Carandiru, ocorrido apenas dez meses antes. Com o passar dos anos, o PCC tornar-se-ia a mais poderosa e perigosa organização criminosa da América Latina, atuando com extrema violência e crueldade, autora de incontáveis assassinatos de integrantes e opositores. Ultrapassou a concorrência (como o Comando Vermelho, grupo com origem no Rio de Janeiro), passando a controlar o submundo do crime em todo o território brasileiro e o rentável negócio de tráfico internacional de drogas e armas para os Estados Unidos e a Europa. Segundo as informações mais recentes, o PCC terá perto de 40 mil elementos, 1 600 dos quais fora do Brasil.
Alertas antigos, confirmações recentes
O primeiro alerta para a presença do PCC em Portugal remonta a 2009, quando um relatório do Departamento de Estado norte-americano avisava para a possibilidade de aquela organização criminosa se instalar no País. Na época, a Polícia Judiciária (PJ) e o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) desvalorizaram a questão por “falta de indícios”.
No dia 8 de novembro de 2019, num artigo de opinião publicado no jornal Diário do Minho, intitulado “Crime Organizado Brasileiro em Portugal e UE”, foi a vez de o português Gonçalo S. de Melo Bandeira, professor e investigador em Direito Penal e Constitucional, que lecionou no Brasil, entre 2011 e 2019, acompanhando de perto as atividades do PCC e do Comando Vermelho, chamar a atenção para o problema, denunciando que “o PCC tem ‘batizado’ – entrada simbólica sem retorno nesta máfia – muitos não brasileiros, incluindo portugueses e europeus, no chamado ‘grupo de olho na expansão do tráfico de drogas em Portugal e na Europa’”.
Os avisos de Lincoln Gakiya sobre este tema ouviram-se, pela primeira vez, em 2016, embora sem grandes repercussões em Portugal. Há dois meses, depois da notícia da VISÃO, o procurador brasileiro confirmou o problema – que, agora, pela primeira vez, e formalmente, chega ao conhecimento da PJ e MP.