“Que garantias tem o tribunal de que não vai voltar a fazer o mesmo?”, perguntou o juiz Luís Cardoso Ribeiro, no dia 6 de maio, à detida por suspeitas de burla qualificada. Noutras circunstâncias, o magistrado até poderia não ter dúvidas quanto à medida de coação a aplicar, já que se tratava de uma reincidência, mas o caso concreto fê-lo hesitar um pouco: à sua frente, numa das salas de interrogatórios do Tribunal Central de Instrução Criminal, em Lisboa, estava Grabriela M., 23 anos, grávida de três meses.
A única “garantia” que Gabriela M., 23 anos, conseguiu dar, no interrogatório perante o juiz, foi uma: “Neste momento, a única garantia é que não quero ter um filho na prisão”. Com um discurso fluente e claro – “vê-se que é inteligente”, comentou o juiz – Gabriela M. foi detida pela PSP por suspeitas de várias burlas com falsos arrendamentos de quartos e apartamentos, em Lisboa, a preços acessíveis para a média do mercado imobiliário. Em resumo, a arguida, limitou-se a colocar anúncios online e esperar pelos contactos dos interessados. Quando isto acontecia, pedia-lhes, de imediato, rendas adiantadas ou quantias a título de sinal. Pelo menos, 22 pessoas caíram na artimanha.
O que o juiz e o procurador notaram é que o esquema começou 55 dias após Gabriela M. ter sido condenada, a 9 de julho de 2021, por 37 crimes de burla qualificada a cinco anos de prisão, suspensa por igual período. Isto é, durante este tempo, caso fosse apanhada a cometer mais algum crime, a pena de cinco anos passava de suspensa a efetiva. “Esteve em prisão preventiva, foi condenada e advertida. Passados uns 50 dias voltou a fazer o mesmo”, declarou o juiz Luís Ribeiro, à espera de uma resposta convincente da arguida, que não chegou: “Eu preciso de ajuda psicológica, não é normal. Eu sabia dos riscos”.
Depois de confessar os factos, Gabriela ainda ensaiou a explicação da necessidade de dinheiro para sobreviver – “Acabei por ser despedida por ter estado presa. Entrei em desespero e voltei a praticar” -, referindo também que, atualmente, mora com o namorado, que aufere 1200 euros/mês, e sem despesas com a habitação. “O que é que nos garante que não volta a fazer o mesmo?”, insistiu o juiz, desfiando o registo criminal da arguida: condenada em 2018 por furto; condenada por dois crimes de burla, em 2019; condenada em 2020 por mais crimes de burla simples; condenada em 2021; condenada em março de 2022 a 15 meses de prisão, suspensa, por burla simples; até à condenação a cinco anos (suspensa) por burla qualificada.
Dada a palavra ao procurador Joaquim Morgado, este argumentou que, mesmo sabendo estar grávida, Gabriela continuou a praticar os factos, os últimos dos quais remontavam à semana anterior da acusação. Disse ainda o magistrado do Ministério Público que a arguida demonstrou “frieza”. Uma característica evidenciada através de uma troca de mensagens com Fernanda M., mãe de Inês P., uma das vítimas de Gabriela, que lhe entregou 300 euros. A mãe pediu a devolução do dinheiro, relatando até um problema oncológico e a necessidade do montante em causa. Gabriela M. – que usava o nome “Joana” – enrolou ao máximo a conversa, sem nunca devolver a quantia.
Na altura de decidir – e já depois de o Ministério Público ter pedido a prisão preventiva – o juiz partilhou a sua “incompreensão” pelo comportamento de Gabriela M, “mesmo sabendo que estava grávida” e que “qualquer deslize teria consequências”. Já num tom de voz mais elevado, Luís Ribeiro acabaria por desconstruir a tese da arguida da necessidade: é que, analisada a sua conta bancária, o juiz percebeu que à medida que o dinheiro entrava, também saía para compras em lojas de roupas e na “Betano”, um site de apostas online. “Era jogo pelo jogo (…) jogava com o dinheiro das outras pessoas”, declarou. Ainda por cima, continuou o juiz, a arguida faltou a várias consultas na Direção Geral de Reinserção para acompanhamento psicológico após a última condenação.
“Neste momento, lamento, mas a única forma de evitar… se há algum processos em que não consigo ter a mínima dúvida é este. Lamento, mas neste momento é a prisão preventiva”, declarou Luís Ribeiro, admitindo como hipótese a substituição desta medida pela prisão domiciliária, mas, advertiu, tendo tem conta o histórico da arguida, bastar-lhe-ia ter acesso a um computador ou a um telemóvel para reincidir.
Gabriela M. encontra-se, assim, desde maio, em prisão preventiva. Em junho, o seu advogado tentou alterar a medida de coação para a prisão domiciliária, alegando com a sua gravidez e propondo até a instalação de um “inibidor de sinal” dentro da sua casa, que lhe bloquearia o acesso à Internet. A pretensão não foi atendida, porque, como referiu o juiz a instalação de tal aparelho poderia, não só travar o acesso e Gabriela M. à rede, como também dos vizinhos e poderia ainda perturbar as comunicações na via pública. “Tentamos por várias formas mudar a situação, mas tem sido difícil refutar porque, tendo em conta o passado, basta-lhe ter acesso a um telemóvel ”, disse à VISÃO Luís Pires, advogado de Gabriela M.. Só que, com o novo processo, continuou, “a condenação a pena suspensa já se efetivou”. Gabriela está, atualmente, na ala da maternidade da prisão de Tires, em Cascais. O filho tem um mês.
A 14 de outubro deste ano, o Ministério Público acusou-a de 22 crimes de burla qualificada, considerando que a arguida fazia desta burlas um modo de vida. No despacho, e sem grandes considerações, o procurador limitou-se a elencar as 22 situações de burla “online” e indicar testemunhas e a prova recolhida pela investigação da PSP.
O caso já seguiu para julgamento. “Vamos requerer uma perícia à personalidade, porque nos parece evidente que existe um distúrbio que a leva a praticar todos estes factos”, adiantou à VISÃO o advogado Luís Pires.