“É como falar para uma parede.” Esta é uma das queixas mais comuns que chegam às consultas de terapia de casal. O desabafo espelha uma insatisfação crónica por parte da pessoa que se tem ao lado. Por alguma razão, um ou ambos parecem inacessíveis ou incapazes de ir ao encontro do outro, que não se sente amado, valorizado e compreendido, apesar de terem muitas coisas em comum e dos esforços para manter uma ligação afetiva que tem tudo para correr de feição.
Em pleno século XXI, nunca foi tão fácil chegar aos outros e de tantas maneiras e, contudo, o problema da comunicação íntima continua a apaixonar os cientistas sociais, apostados em encontrar a fórmula de um relacionamento satisfatório e com longevidade. O “problema de expressão” (título da canção dos Clã) tem barbas e muitos de nós até trauteiam de cor trechos como este: “Só pra dizer que te Amo / Nem sempre encontro o melhor termo / Nem sempre escolho o melhor modo.”
Recuando algumas décadas, um americano com um mestrado em educação religiosa e doutorado em educação de adultos preparava-se para ser missionário na Nigéria quando a sua esposa adoeceu e o levou a ficar na sua terra natal, no Estado da Carolina do Norte. Tornou-se pastor batista e conselheiro matrimonial, estando longe de imaginar, aos 84 anos, que o seu livro As 5 Linguagens do Amor, publicado há três décadas, haveria de converter-se num sucesso de vendas e de ser traduzido em mais de 50 línguas.
O segredo está em conhecer a forma como se experimenta e recebe mensagens de amor e esclarecer o outro sobre isso, sem cair na falácia do “faz como queres que te façam a ti”, que leva, tantas vezes, a que se fique perdido na tradução de gestos que, por mais bem intencionados que sejam, acabam por não resultar.
As 5 linguagens do amor
O questionário de 30 perguntas, acessível no site do autor (em língua inglesa), permite apurar qual destas cinco modalidades de dar e receber amor é a que tem mais a ver consigo, e fazê-la chegar à pessoa que escolheu para caminhar ao seu lado:
Palavras de afirmação: Mensagens de amor, carinho e apreço, faladas ou escritas, e que vão do simples “tu significas tanto para mim” a observações do tipo “estou tão feliz por ti”
Tempo de qualidade: Cultivar a presença através da disponibilidade, do contacto visual e da capacidade de escuta, sem distrações várias (telemóvel, interrupções de terceiros, etc)
Gestos de serviço: Quando as ações valem mais do que mil palavras e incluem atos voluntários, como ir às compras, buscar as crianças à escola ou consertar uma avaria
Receber presentes: Símbolos de afeto sob a forma de pequenas lembranças ou prendas que se oferecem tendo por base as preferências de quem se gosta
Contacto físico: Demonstrações de proximidade afetiva como dar as mãos, abraços, beijos e outros mimos (sexo incluído), de forma pró-ativa e com alguma regularidade
Como é que estas linguagens, inventariadas com base na experiência do conselheiro matrimonial, podem fazer a diferença na vida dos casais e, já agora, nas amizades, nas dinâmicas familiares e, até, nas relações de trabalho? Ir ao encontro das necessidades de cada um, que nem sempre são iguais às próprias, poupam-se mal-entendidos, frustrações e conflitos que, a médio prazo, desgastam os vínculos e, não raras vezes, alimentam ciclos de toxicidade.
Por outro lado, se os intervenientes souberam, de antemão, como é que cada um deles prefere ser tratado, tal traduz-se em ganhos mútuos, por promover um clima mais seguro e harmonioso, mesmo que não resolva todos os desafios que tenham de enfrentar, já que os relacionamentos são, por definição, complexos, até por envolverem as histórias e experiências de vida que cada um leva consigo para a nova dinâmica que vão criar.
“Eu não sou o meu parceiro”
Se os códigos de leitura forem completamente diferentes, o pior que pode acontecer é uma uma prova de amor ser interpretada ao lado e resultar em sentimentos de incompreensão e desilusão. Dar a volta ao guião pode implicar um esforço adicional de ambas as partes para se descentrar de uma certa ideia sobre o que cada um valoriza e observar, com maior detalhe, o que não está a funcionar como devia e porquê.
Sintonizar expressões de afeto passa por alinhar estilos de dar e de receber, capazes de produzir o resultado desejado: cada um sentir que as suas necessidades foram satisfeitas. Dá trabalho? Sim, mas esse alinhamento terá a vantagem de tornar o relacionamento mais estimulante e um espaço comum onde se pode crescer enquanto pessoa e na relação.
Embora o modelo de Gary Chapman não tenha uma validação científica, ele tem merecido um interesse crescente, sobretudo nas gerações mais jovens, por estarem numa fase de exploração nas interações quotidianas, particularmente após a pandemia, em que se viram privadas delas no registo presencial.
Com a retoma da vida social, muitos procuram desenvolver competências emocionais que os façam sentir-se mais ágeis na maneira de relacionar-se, numa sociedade saturada de estímulos e pouco “amiga” da permanência dos afetos.
Um estudo realizado pela empresa de sondagens YouGov realizada em janeiro deste ano, numa amostra de mil adultos, mostrou que o tempo de qualidade (38%), o contacto físico (24%) e as palavras de afirmação (19%) foram as linguagens “vencedoras”, ou favoritas, de receber amor.
Curiosamente, na faixa etária acima dos 45 anos, as mulheres priorizaram o tempo de qualidade (44%) e os homens o contacto físico (37%), mas abaixo dos 45 anos, ambos os sexos valorizaram o tempo de qualidade acima das outras formas de receber amor, com uma diferença de quatro pontos percentuais (41% no feminino e 36% no masculino).
A segunda linguagem de eleição no ranking (contacto físico) foi escolhida por 29% dos homens (menos do que os mais velhos) e 17% das mulheres (mais do que as mais velhas). Na mesma sondagem, os participantes foram inquiridos sobre a preferência dos seus parceiros e 43% disseram que estavam alinhados com a sua linguagem de eleição, fosse investir tempo numa atividade comum ou serem ambos adeptos das palavras de afirmação, por exemplo.
Trabalho de casa emocional
Saber quais as manifestações de afeto que nos fazem sentir amados e as do outro pode ser uma vantagem mas, por si só, não basta. É preciso aprender a falar na linguagem de amor do outro, o que constitui um grande desafio, como bem o sabem os casais multiculturais: além de terem de adaptar o discurso de forma a fazerem-se entender na linguagem do outro, descobrem, ainda, que tal requer uma boa dose de equilíbrio emocional.
Em 2017, duas psicólogas australianas decidiram testar o modelo de Chapman numa amostra de 67 casais heterossexuais e concluíram que a satisfação conjugal dependia mais da capacidade de manter as emoções reguladas do que do alinhamento das linguagens de amor de cada um. Outro dado curioso: se elas eram diferentes, a autorregulação feminina era um fator preditor da felicidade de ambos. Três anos depois, quando a pandemia mexeu com a vida íntima à escala global, uma terapeuta familiar e mestre em aconselhamento pela Universidade de Oregon, nos Estados Unidos, deu-se conta de que as linguagens do amor nem sempre funcionavam como esperado.
A experiência com casais desavindos, em consultório, levou Linda Carroll identificar alguns obstáculos que bloqueavam essas linguagens a dois: entrar no modo de competição ou jogo de poder sobre quem mais faz para agradar ao outro; não ter em conta as mudanças na dinâmica do casal, com a passagem do tempo; colocar no parceiro a satisfação de necessidades próprias (que já vêm de trás) ou usar esta estratégia como penso rápido, evitando, desse modo, tocar noutras áreas por resolver como questões de confiança, metas comuns ou formas de reparar conflitos. Ou seja, é de admitir que todos temos áreas sombrias que precisam de ser trabalhadas a título individual.
“Na maior parte dos casos que acompanho, com a abordagem cognitivo-comportamental, verifico que há condutas que levam o parceiro a ter uma dada emoção que, por sua vez, está ancorada numa crença ou estrutura de personalidade”, esclarece o psicólogo e terapeuta sexual Fernando Mesquita.
Familiarizado com as referências de livros que os casais trazem à consulta e lhes fazem sentido, o clínico prefere centrar-se nas questões concretas em que as pessoas ficam enredadas e não conseguem sair sozinhas e questioná-las a esse nível, para que possam desconstruir mitos e avançar para formas de comunicar mais saudáveis e satisfatórias.
Sobre o velho mito de que as pessoas com personalidade semelhantes tendem a dar-se melhor uma com a outra, acrescenta: “Não há uma regra rígida; importa serem suficientemente parecidos para se acompanharem e suficientemente diferentes para crescerem enquanto casal.”
Ser amado é… ter tempo de qualidade
Marta Faustino, psicóloga e especialista em análise existencial, a exercer na clínica com o seu nome, em Fátima, conhece o modelo de Chapman e reconhece muito do que ele descreve nas suas consultas. “Já me aconteceu, por exemplo, a mulher dizer que não se sente amada e o companheiro ficar atónito, ‘eu passo a ferro, lavo a roupa, o que mais queres?!’; e ela, ‘que digas que me amas, que estou bonita!’, que é a linguagem que ela entende e a faz sentir-se apreciada.”
Equívocos comuns como este refletem a forma como se foi educado ou aquilo que se assimilou ao observar o relacionamento dos pais: “Se cresceram numa casa em que as pessoas eram consoladas por palavras é essa linguagem de amor que levam para as suas relações adultas, e que idealizam no outro.”
Na sessão, “identificam-se os padrões de comunicação dominantes e tenta-se que ensaiem outras formas de adequar-se um ao outro quando vão para casa”, observa. Por fim, e tendo por base a sua prática clínica, Marta Faustino confirma a tendência identificada na sondagem americana. “O tempo de qualidade é algo que não está a ser valorizado como deveria na sociedade que temos”, começa por dizer.
Muitos casais chegam a casa e, depois das rotinas domésticas, dos banhos das crianças e do jantar, é comum usar o tempo que sobra a ver TV ou nas redes sociais: “As tecnologias retiram-nos do olhar nos olhos do outro, mal se pergunta ‘como foi o teu dia’ e é raro haver espaço para a partilha, seja em família ou em casal.”
Quando traz o assunto à sessão – questionando o tempo que despendem em ecrãs, por exemplo – muitos caem em si e reconhecem que há ajustes a fazer, em nome da felicidade conjugal.
Como na canção, quando “O teu mundo está tão perto do meu / E o que digo está tão longe / Como o mar está do céu”, o melhor mesmo é por mãos à obra e “resolver o meu (nosso) problema de expressão / Pra ficar mais perto, bem mais de perto.”