Foi identificado como “suspeito”, mas tudo acabou arquivado. Ainda assim, durante 270 dias, o novo ministro da Saúde, Manuel Pizarro, esteve sob escuta no processo conhecido como “Máfia do Sangue” ou “O Negativo”, atualmente na fase de instrução no Tribunal Central de Instrução Criminal. Durante oito meses, a Polícia Judiciária e o Ministério Público tentaram fazer uma ligação entre responsáveis políticos e Paulo Lalanda de Castro, gestor em Portugal da multinacional Octapharma, que vendeu plasma aos hospitais portugueses. Porém, no caso de Manuel Pizarro, tudo acabaria arquivado, sem que, pelo caminho, fossem recolhidas 122 conversas com o recém-empossado, em finais de 2015, primeiro-ministro, António Costa.
A investigação deste processo começou pela suspeita de favorecimento à Octapharma na compra de hemoderivados para o Estado. O inquérito, iniciado em 2015, terminaria em novembro de 2019 com uma acusação por corrupção ativa contra Paulo Lalanda de Castro; corrupção passiva contra Luís Cunha Ribeiro, antigo presidente do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) e outros membros dos júri do concurso que, segundo o Ministério Público, favoreceram a Octapharma a troco de viagens, patrocínios e, no caso de Cunha Ribeiro, um apartamento.
O envolvimento de Manuel Pizarro nesta investigação começa com uma ligação feita pela Polícia Judiciária a Cunha Ribeiro e também a Francisco Ramos, antigo secretário de Estado da Saúde, colega no ministério da Saúde de Manuel Pizarro, durante o primeiro governo de José Sócrates (2005-2009).
Porém, o “clique” para accionar mais meios de investigação sobre o então dirigente do PS foi dado, no início de 2016, por uma antiga assessora de imprensa do ministério. Numa conversa telefónica com Luís Cunha Ribeiro, Paula Ferreirinha alertou-o para o facto de a Polícia Judiciária ter solicitado ao ministério da Saúde – já liderado por Adalberto Campos Fernandes – documentos sobre os concursos relativos à compra de plasma entre 2008 e 2009, dizendo-lhe ainda que os inspetores já tinham recolhido documentação relativa ao seu “amigo do Porto”
Tal levou a que a investigação interpretasse a conversa como uma referência a Manuel Pizarro, secretário de Estado da Saúde nos dois governos de José Sócrates (2005 a 2011). Num par de dias, um juiz de instrução deu autorização para a intercepção do telefone de Manuel Pizarro e, logo à primeira, foi apanhado um SMS de Paula Ferreirinha, referindo necessitar de falar com o seu interlocutor sobre “um tema que lhe diz respeito”, mas que a conversa não poderia decorrer por telefone.
Os restantes sete meses foram preenchidos com a recolha de mais conversas telefónicas entre Manuel Pizarro, entretanto eleito pela primeira vez presidente da Federação Distrital do PS/Porto, e Luís Cunha Ribeiro, mas também com António Costa, assim como operações de vigilância. Na qualidade de primeiro-ministro, as suas conversas só podem ser transcritas num processo judicial com autorização do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Ao todo, foram 122 chamadas interceptadas, mas que não foram consideradas relevantes para a investigação.
No final do inquérito, e depois de ouvido como testemunha, as suspeitas sobre Manuel Pizarro e Francisco Ramos foram arquivadas. Ao processo, o primeiro declarou que, no que diz respeito à compra de hemoderivados, tomou a decisão de “descentralizar os concursos” para a sua aquisição, permitindo, desta forma, “maior abertura de mercado”.
A procuradora Ana Paula Vitorino concluiu não ter sido apurado que qualquer decisão de Manuel Pizarro “tivesse tido a influência de terceiros” ou que “tivesse por objetivo beneficiar os interesses” de Paulo Lalanda de Castro.