O violento embate de um luxuoso Mercedes 600 SD negro contra um pilar de cimento do viaduto subterrâneo de Alma, próximo da Torre Eiffel, em Paris, ao princípio da madrugada de domingo, último dia de Agosto, pôs fim à vida da mulher mais fotografada do mundo e deu simultaneamente início ao que está destinado a ser um dos maiores mitos populares da segunda metade do século XX e da primeira do século XXI.

Diana Frances Spencer, 36 anos, inteligente, sensual, loira, alta, elegante, olhos verdes, princesa de Gales, ex-mulher do príncipe Carlos do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, ex-futura rainha, mãe do provável rei Guilherme V, amada pela maioria dos britânicos e por milhões de habitantes do planeta, presente em todos os números de todas as revistas de actualidades, teve um violento encontro com a morte quando seguia a perto de 200 à hora na companhia do multimilionário egípcio Emad (Dodi) Al-Fayed, filho do dono dos armazéns londrinos Harrods e do legendário Hotel Ritz, de Paris.
Dodi teve morte imediata, assim como o motorista do Mercedes, “monsieur Paul”, o segundo responsável pela segurança do Ritz, que, segundo testes post-mortem, teria uma taxa de alcoolemia de 1.75, muito superior aos 0.5 autorizados em França.
Diana sobreviveria até às 4 da manhã, hora a que exalou o último suspiro, baldados os esforços do pessoal médico do Hospital La Pitié Salpêtrière, para onde foi conduzida. O quarto ocupante do automóvel, guarda-costas da princesa, continua internado em estado grave, mas foi dado como livre de perigo.
A PRETO E BRANCO
O par, que “fugiria” dos paparazzi (fotógrafos sensacionalistas) que perseguiam de moto o veículo, chegara nessa tarde a Paris num jacto particular, proveniente da Sardenha. Depois de terem sido vistos a fazer compras nos Campos Elíseos, Diana e Dodi jantaram no Ritz e preparavam-se para passar a noite no palacete que foi do bisavô de Carlos – o efémero Eduardo VIII, duque de Windsor, que abdicou do trono nos anos 30 por ter casado com uma divorciada ame ricana simpatizante de Hitler -, palacete que agora é prop riedade do
pai Al-Fayed.

Segundo declarações deste último, as investigações da polícia francesa terão levado à conclusão de que o despiste do automóvel em que seguiam o seu filho e Lady Di terá ficado a dever-se ao facto de um dos motards se ter colocado na sua frente, a fim de o fazer parar, para que o “pendura” de um outro veículo de duas rodas pudesse fotograr o casal à vontade.
Os paparazzi foram de imediato detidos para averiguações. Antes, um Mercedes idêntico àquele com que ocorreria o acidente saíra do Ritz, numa tentativa, que afinal não resultou, de ludibriar os caçadores de imagens.
Constantemente perseguida por fotógrafos, Lady Di tinha especial aversão a imagens com uma maior carga de intimidade. No mês passado, a divulgação de fotos “clandestinas” suas a bordo do iate de Dodi (uma delas mostrando o par abraçado) fizera uma vez mais convergir a atenção do mundo para a faceta amorosa da sua vida trepidante. As suas posições públicas pela erradicação das minas antipessoais e em prol da luta contra a sida, as constantes visitas a hospitais, infantários, lares da terceira idade e instituições similares, tudo ficara temporariamente relegado para segundo plano. cujo casamento com Dodi começava a ser ventilado, era já apontada como “a nova Jackie Kennedy”. Regressa-se agora à estaca zero: a memória que fica é da simpática e sorridente paladina das boas causas. O episódio romântico não passaria decerto de um interlúdio.
Efectivamente, nos últimos tempos, Diana vinha dando uma imagem mais séria de si própria, constantemente empenhada em cruzadas de carácter social e humanitário.
UMA HISTÓRIA TRÁGICA
A história de Diana e da sua morte trágica possui todos os ingredientes para entrar no imaginário colectivo e dele não mais sair. A princesa do conto de Grimm acabou por ter um fim de tragédia de Sófocles, que muito contribuirá para dar consistência ao mito. Assim, Lady Di arrastará previsivelmente, nas próximas décadas, multidões europeias, ame ricanas, africanas e asiáticas no rasto da sua memória. A morte violenta e prematura é um excelente cimento da imortalidade, quando quem passa já é famoso e, sobretudo, se existe no ar uma suspeita de culpa que alimente a pira sacrificial – “os fotógrafos” -, para a mulher mais mediática do terceiro planeta do sistema solar.
Recorde-se, a este propósito e a um nível muito diferente, o que se passou em Portugal com Sá Carneiro. Passarão décadas e os magazines escritos, televisivos, e o mais que se há-de inventar, continuarão a reproduzir a história da jovenzinha tímida que entrou com pés de lã na corte mais austera do mundo, para se tornar o seu emblema. Em última análise, para salvar talvez uma instituição decrépita, como é a monarquia inglesa, por um lado, criando-lhe alguns problemas, mas, por outro, conferindo-lhe um novo fôlego e aproximando-a do súbdito comum. Nunca, porventura, a corte britânica teve um elemento tão profundamente conhecedor da natureza humana e tão hábil no trato com o seu semelhante; certamente jamais o Palácio de Buckingham produzira um tão dotado embaixador da boa vontade.
Pode haver agora quem se interrogue: que fez esta mulher para estar 24 horas por dia nas bocas do mundo e para ter alterado por completo todas as programações de televisão no dia da sua morte? A resposta merece uma reflexão prévia: na verdade, fez muito para consolar os outros e para os tornar um pouco mais felizes – ou, pelo menos, para os pôr a sonhar acordados.
Não deixa igualmente de ser curioso registar o flirt entre Diana e o governo trabalhista de Tony Blair. Quebrando a regra de não-ingerência na política por parte da família real, Diana criticou abertamente o executivo conservador de John Major, designadamente pela sua insensibilidade no que respeita à cruzada para pôr termo às minas antipessoais disseminadas pelo mundo, ao mesmo tempo que elogiou as posições do novo Labour nesse contexto. Pagando da mesma moeda, no discurso em que comentou a sua morte, Tony Blair, visivelmente emocionado, referiu-se a ela como “a princesa do povo”.
A SALVAÇÃO DA MONARQUIA?
Com a sua morte, Diana poderá ter salvo a instituição monárquica do impasse em que se encontrava. O ex-marido Carlos, 48 anos, filho da rainha Isabel II e “eterno” herdeiro da coroa, um pouco à semelhança do seu trisavâ Eduardo VII, que quase não sobrevivia à mãe, a rainha Vitória – , já poderá casar com o grande amor da sua vida, Camilla Parker-Bowles, o que lhe estava vedado pela Igreja Anglicana, em vi rtude de a primeira
mulher continuar viva. E, assim, possível que Camilla venha a tornar-se um dia rainha, embora dificilmente conquiste os corações.
Falta saber se o povo britânico alguma vez perdoaria a Carlos esse passo mais. A própria popularidade do príncipe tem vindo, aliás, a decrescer constantemente, ofuscada pela da sua mulher e ex-mulher. Logo após o casamento, há 16 anos, o filho de Isabel II passou para segundo plano, já que a Imprensa e a opinião pública só tinham olhos para Diana. No dia da morte da princesa, Carlos portou-se como um marido penalizado. Soube da notícia do acidente logo ao princípio da madrugada, no castelo de Balmoral, na Escócia, onde passava férias na companhia dos filhos William (Guilherme) e Henry (Henrique) de 15 e 13 anos, respectivamente – e de sua mãe, Isabel II. Começou logo a tratar dos preparativos para se deslocar ao hospital parisiense, com os filhos, mas quando lhe foi comunicado telefonicamente que Diana morrera, alterou os planos: iria antes acompanhado por familiares de Diana.
Depois de ter assistido, de manhã, a uma missa por alma da falecida, o príncipe herdeiro deslocou-se a França num jacto da Coroa, regressando imediatamente a seguir com o corpo de Diana num esquife coberto com o estandarte real. Os restos mortais da “princesa do coração” foram posteriormente transportados, com todas as honras, para uma capela particular cuja localização não foi divulgada, estando o funeral marcado para o próximo sábado, 6, às 11 da manhã, da Abadia de Westminster, em Londres, para o cemitério da localidade de Althorp, onde se situa o castelo da família Spencer. Está prevista a presença de diversos chefes de Estado, mas as exéquias não terão o estatuto de reais.

Dodi Al-Fayed foi sepultado logo na noite de domingo – menos de 24 horas depois do óbito -, com a celeridade prescrita pelo Corão. Após uma cerimónia religiosa na mesquita de Regents’s Park, o corpo seguiu para o cemitério de Brooklands, pe rto de Guilford, no Surrey.
ESTADO DE CHOQUE
No desconhecimento do local onde repousa temporariamente o corpo de Diana, milhares e milhares de britânicos têm deposto flores junto dos portões dos palácios de Buckingham (símbolo da monarquia) e de Kensington (residência oficial da princesa). Rios de lágrimas e cenas de histeria tornaram-se esta semana frequentes nesses locais, perante a fleumática impassibilidade dos bobbies e dos grenadier guards. A lupa de Sherlock Holmes permitir-nos-ia, porém, detectar uma furtiva lágrima no cantinho do olho do mais empedernido e sanguíneo dos yeomen da Torre de Londres.
Para os portugueses que queiram associar-se às manifestações de pesar motivadas pelo acontecimento que “pôs a Grã-Bretanha em estado de choque” (ainda palavras do primeiro-ministro Tony Blair, admirador confesso da “princesa do povo”), a Embaixada britânica em Lisboa dispõe para o efeito de um livro de condolências. Todos os “grandes” deste mundo – de Mandela a Clinton, de João Paulo II a madre Teresa de Calcutá, de Kohl a Pavarotti, de Ieltsin a Chirac, de António Guterres a… – exprimiram já os seus pêsames.
(Artigo publicado na VISÃO nº 233 de 3 de setembro de 1997 com a ortografia anterior)