“Do lado de fora parece discreto, mas uma vez lá dentro, é selvagem. Uma fonte cheia de sapos verdes sinistros, cobras a subirem paredes, uma vespa gigante e um jacaré empoleirados em sebes, caranguejos esticados e um cisne a enfiar o bico na boca de um cão”. É assim que o jornalista Larry Ryan começa por descrever o Jardim Bordallo Pinheiro, em Lisboa, inaugurado em 2010, num artigo do The Guardian onde a arte portuguesa não fica nada mal vista – e à qual os britânicos começaram a dar, recentemente, mais atenção.
Depois de fazer uma espécie de regresso ao passado, mencionando a abertura da Fábrica de Faianças das Caldas no século XIX por Raphael Bordallo Pinheiro (que, em 1907, abriu falência e foi vendida) para a criação de loiças decorativas e peças de cerâmica “coloridas e vistosas”, Ryan leva novamente os leitores até ao “maximalismo português” de Bordallo Pinheiro representado no jardim lisboeta, destacando que “as falsas fauna e flora” do artista “são extravagantes, kitsch e belas, mas quase avassaladoras”, referindo ainda que os seus detalhes, além de “exagerados” e “divertidos”, são também “inquietantes”.
O jornalista britânico explica que foi apenas nas últimas duas décadas que os pratos e tigelas em forma de couve começaram a surgir no Reino Unido, tanto em pequenas lojas de artesanato como em grandes cadeias, “uma grande reviravolta para um design que já foi visto como deselegante e brega”, o que “reflete um desejo mais amplo do Reino Unido pelo design, produtos de lifestyle, comida e vinho portugueses”, escreve Ryan.
À conversa com as portuguesas Olga Cruchino e Dina Martins, que abriram, em 2013, a sua loja e café A Portuguese Love Affair, em Londres, com vários produtos típicos como peças decorativas, sabonetes, conservas de peixe e vinho, o jornalista pega neste exemplo para explicar como a arte nacional tem crescido no Reino Unido, ao longo dos últimos anos. “No início, as pessoas vinham ter comigo e perguntavam-me: ‘Porque é que você tem isto? É horrível'”, conta Olga Cruchino. Agora, a empresária diz que sente “um real aumento na aceitação e no amor pelo design português”. “Foi de nada a muito”, diz Cruchino.
Larry Ryan faz ainda referência à jornalista Catarina Portas, que além de ter idealizado, juntamente com Joana Vasconcelos, o jardim Bordallo Pinheiro, fundou, em 2007, a primeira loja A Vida Portuguesa, descrevendo-a como uma das “grandes responsáveis” pelo ressurgimento do interesse por produtos portugueses mais antigos, com uma identidade única, no Reino Unido. “A identidade olha para o futuro. E acho que o passado está cheio de soluções interessantes para o futuro”, refere a empresária, também em conversa com o jornalista.
“Portas acedeu a muitos pedidos para estender a marca em todo o país e internacionalmente. No passado, ajudou a Labor and Wait (uma loja em Londres) a levar produtos para o Reino Unido, enquanto a A Portuguese Love Affair nasceu, em parte, à sua imagem”, escreve Ryan, que faz ainda menções ao chefs de cozinha Nuno Mendes e Leandro Carreira, abordando o novo restaurante, Lisboeta, de Mendes e os seus anos 90, em que tentou distanciar-se propositadamente de Portugal devido ao estado do País e às escassas oportunidades dadas aos mais jovens. Na Califórnia, quando se apercebeu de que, “lá fora”, mal se distinguia Espanha de Portugal, sendo que “a cozinha espanhola estava em voga, enquanto o turismo português se concentrava no que os visitantes queriam, comida italiana, espanhola ou indiana”, teve uma “epifania”, como escreve Ryan.
Agora, conta que está a tentar “mostrar Portugal” e o seu espaço Lisboeta, que abriu em março, demonstra isso mesmo, com três pisos dedicados à nossa capital e um balcão de bar em lioz sustentado por armários de madeira que fazem lembrar as farmácias portuguesas antigas.