Aos 59 anos, Vera Pauw, atual selecionadora da equipa de futebol feminina da Irlanda, decidiu contar à polícia dos Países Baixos, o seu país natal, que foi violada durante a juventude, ainda nos tempos de jogadora, por um homem influente ligado ao futebol. O caso remonta há 35 anos, e Vera diz que decidiu tornar pública a sua história depois de esbarrar no desinteresse das autoridades do futebol neerlandês em investigar o caso, que acusa de a quererem silenciar.
Com passagens anteriores pelo comando das seleções femininas de Escócia, Países Baixos, Rússia e África do Sul, e um total de 89 internacionalizações enquanto futebolista, Vera escreveu uma carta na sua conta de Twitter em que denuncia outros dois homens, também ligados ao futebol, por terem abusado dela sexualmente. “Durante estes 35 anos, mantive os abusos privados. Permiti que a memória dos mesmos controlasse a minha vida, que me preenchesse com dor e angústia diárias, que dominasse o meu interior”, diz.
Pelo menos desde 2011 que Vera estava a ser ignorada pela Federação Neerlandesa de Futebol, que agora se penitencia por não ter valorizado devidamente as alegações e garante ter aberto uma investigação independente. Por não aguentar mais o silêncio, Vera gritou através do Twitter, com a carta que a seguir se transcreve na íntegra:
“Durante 35 anos guardei um segredo do mundo, da minha família, das minhas companheiras de equipa, das minhas jogadoras, dos meus colegas e, aceito-o agora, de mim.
Mesmo os mais próximos de mim não souberam da violação que eu sofri às mãos de um proeminente oficial do futebol quando era uma jovem jogadora. Mais tarde, dois abusos sexuais de outros dois homens foram acrescentados a este registo. Os três homens eram funcionários do futebol neerlandês na altura destes incidentes. Apenas aqueles em quem confio souberam até agora dos sistemáticos abusos sexuais, do abuso de poder, bullying, intimidação, isolamento e enquadramento a que fui exposta enquanto jogadora e selecionadora nacional no futebol neerlandês.
Durante estes 35 anos, mantive os abusos privados. Permiti que a memória dos mesmos controlasse a minha vida, que me preenchesse com dor e angústia diárias, que dominasse o meu interior. Para muitos, sou vista como treinadora de futebol impetuosa, uma mulher forte que ascendeu ao topo num mundo de homens. Nada podia estar mais longe da verdade.
Ao longo dos anos, tentei que as autoridades do futebol nos Países Baixos tratassem o meu caso de uma forma justa, em vão. Algumas pessoas preferiram manter a minha violação e abusos sexuais sossegados em vez de me oferecerem o suporte de que precisava ao abrirem esta história para o mundo. Não posso mais partilhar o silêncio.
Falhada a obtenção de uma resposta satisfatória ao meu pedido de ação à Federação Neerlandesa de Futebol para iniciar uma investigação, na sequência da minha quinta denúncia a eles dirigida, recentemente denunciei a minha violação e agressões sexuais à polícia neerlandesa. Isso parece ser já o princípio do fim para mim, mas sei que há mais sofrimento para chegar. Histórias podem surgir na comunicação social do meu horrível tormento e sei que podem ser lançadas acusações contra mim para manchar a minha história. Assumo total responsabilidade por aquilo que fiz e por aquilo que devia ter feito e não fiz.
Acreditem, a minha história é real e verdadeira. Sei que ao torná-la pública vai deixar a minha vida sob os holofotes de uma maneira que nunca experimentei antes, mas também espero que outros jovens futebolistas e treinadores que foram expostos a algo como uma violação e abusos como eu sofri tenham agora coragem suficiente para se chegarem à frente e contarem as suas histórias.
Não vão ser tempos fáceis para mim e para a minha família e, por agora, peço que respeitem o que resta da minha privacidade.
Finalmente, gostaria de agradecer ao meu staff irlandês, à direção da Federação Irlandesa de Futebol, a todos os meus colegas e adeptos irlandeses pelo apoio que me têm dado enquanto selecionadora da equipa irlandesa. Sempre me senti segura e apoiada na Irlanda e nem consigo expressar como isso sabe bem. Espero que esse apoio continue na Irlanda agora que partilhei a minha história e a minha dor.
Isto é quem eu sou, não tenho de voltar a esconder-me. Espero poder continuar a minha vida em liberdade.
Obrigado,
Vera”