Entre 2020 e 2022, foram muitas as horas passadas à secretária a trabalhar com o cão ao colo, a fazer mais uma festa, a dar mais um biscoito, a ir mais vezes à rua, em passeios demorados. As casas estiveram cheias, ouviam-se as vozes das pessoas.
Assim como o confinamento, em março de 2020, foi repentino e, no espaço de poucos dias, as famílias reuniram-se em casa e ali ficaram perto dos seus animais de estimação, também, o fim do teletrabalho, ou pelo menos a sua redução, e o regresso das pessoas aos escritórios, foi uma mudança drástica, sobretudo para os cães. E, que deveria ter sido gradual, como que um desmame da companhia, para não gerar a ansiedade da separação.
Era inevitável que pessoas e animais de estimação se separassem, tal como pais e filhos, quando os mais pequenos vão para a creche ou escola primária. Com mais ou menos lágrimas, a separação acontece. Ninguém teve tempo, predisposição ou até conhecimento para preparar o seu cão para o regresso aos horários convencionais. Por isso, não é de estranhar um olhar cabisbaixo de quem foi uma companhia segura nos últimos 24 meses.
Nos Estados Unidos da América, são mais de 23 milhões de casas que durante a pandemia receberam um cão ou um gato, segundo dados da Sociedade Americana para a Prevenção da Crueldade contra os Animais (ASPCA, sigla de American Society for the Prevention of Cruelty to Animals). Muitos desses animais nunca souberam como é ficar sozinho em casa o dia todo, a deambular entre a sala e a varanda ou a ladrar à porta. Tiveram as suas aparições nas reuniões por Zoom, escreverem mensagens enigmáticas nos portáteis dos humanos e encontraram outras maneiras de contribuir para o ambiente de trabalho entre espécies. Para muitas pessoas, os cães foram o único corpo quente por perto, uma espécie de terapeuta, companheiro e sistema de entretenimento reunidos num só.
Também os portugueses adotaram mais animais de companhia durante a pandemia. De acordo com o Sistema de Informação de Animais de Companhia (SIAC), base de dados de registo obrigatório para cães, gatos e furões, em 2020, houve um aumento de 78% na adoção de gatos e 15% na adoção de cães. Nos primeiros três meses de 2021, foram adotados mais 59 194 cães e 36 899 gatos. Hoje, no total, o SIAC tem registados quase três milhões de cães (2 896 483) e 511 814 gatos.
O aumento da procura de animais de estimação pode ser, em parte, justificado com a permissão que as pessoas tinham, dentro de todas as restrições, para irem à rua passear os animais. Na sua presença, o passeio era autorizado e assim passavam mais tempo ao ar livre.
A solidão de quem mora sozinho também pode ter sido uma das causas para que mais pessoas abrissem as portas de casa a cães e gatos, encontrando um equilíbrio emocional numa época tão desgastante, como foram os meses de confinamento. Alimentar e cuidar do animal de companhia foi para muitos a única distração e o mais parecido com a normalidade.
Mary Sheridan, uma advogada que mora no East Village, não planeou ter um cão. Mas, a trabalhar a tempo inteiro num apartamento pequeno, e com o seu filho de 13 anos longe de todos os seus amigos, cedeu. Ao jornal The New York Times contou que ficou na lista de espera de um criador do Wisconsin e oito meses e 2 200 dólares depois trouxe Nala, um Golden Doodle para casa.
Agora que voltou à rotina diária de sair de casa, Mary Sheridan deixa Nala a ouvir rádio.
Além da ida matinal para o emprego, os cães também notam quando os donos se ausentam de casa, por poucos minutos, para ir deitar fora o lixo ou ir à caixa de correio. Ou mesmo quando ficam mais horas ausentes, à noite, por exemplo, e vão jantar fora. Ficam agitados e não tardam em fazer ouvir os seus latidos.
Nas cidades, cães fechados em apartamentos sempre tiveram de se adaptar a condições abaixo das ideais, mas o regresso ao trabalho dos seus donos significou que, de repente, milhares de animais estão, em simultâneo, a passar pela mesma transição. “Temos tido muitos casos de separação”, confirma Kate Senisi, responsável pelo treino School for the Dogs, no East Village, em Manhattan, ao jornal The New York Times.
Os cães que estavam acostumados a serem deixados sozinhos antes da pandemia tendem a ajustar-se de forma relativamente rápida, mas para os cães nascidos ou adotados durante a pandemia a situação é de maior fragilidade. “Eles não foram abandonados e agora estão numa idade sensível, a adolescência. Pode ser bem difícil. Precisam aprender essas novas habilidades”, explica Kate Senisi.
E na hora de sair, o dono não deve dar um brinquedo especial ao seu animal, pois esse objeto tornar-se-á o gatilho de angústia.
Pam Reid, vice-presidente da equipa de ciências comportamentais da ASPCA tem observado que os cães que, de repente, são deixados sozinhos podem sentir-se confusos e solitários “questionando-se” sobre todas as pessoas estarem a sair de casa, em vez de passar tempo em casa. Pam Reid sugere separações curtas antes do grande regresso ao local de trabalho e o agendamento de passeios e refeições para integrar o futuro horário de trabalho.
Mas há quem não consiga concretizar a separação. Millet Israeli, uma psicoterapeuta a morar em Chelsea, passou a levar Milton e Rufus, ambos mistura de caniche e Cavalier King Charles Spaniel, para o consultório, onde parte das suas sessões de terapia ainda são virtuais.
Mesmo antes de a pandemia ter virado o mundo do avesso, já algumas empresas de tecnologia, incluindo Amazon, Google, Squarespace e Etsy, recebiam cães em alguns dos seus escritórios. Outras empresas abriram exceções como forma de atrair e manter os trabalhadores, como a Challenger, Gray & Christmas. Ao início, os cães passam por um período de teste e, às vezes, precisam de manter a coleira.